Conta a lenda que o ator norte-americano Dean Martin foi preso por porte ilegal de arma (considerando como é a legislação ianque sobre armas, creio que seja apenas uma anedota) e, ao ser entrevistado, após sua liberação por fiança, perguntaram-lhe se achava correto que todos os cidadãos andassem armados, ao que ele respondeu de pronto: – Claro que não! Nesta situação qual vantagem eu teria?
Esta mesma situação ocorre com os direitos oriundos da legislação trabalhista tanto os atinentes à remuneração, quanto à previdência. Em uma situação hipotética o fato de um único empresário, em uma comunidade, não pagar alguns direitos trabalhistas de seus trabalhadores lhe traria, sem sombra de dúvidas, inúmeros benefícios financeiros. Quanto mais se este mesmo empresário possuísse concorrentes.
Exemplifiquemos: em uma pequena cidade há duas padarias, A e B. Ambas do mesmo tamanho, com o mesmo número de funcionários, produzindo produtos com a mesma qualidade. Uma em cada lado de uma mesma rua. No entanto apenas uma delas paga, a padaria A, aos seus empregados horas extras, embora ambas necessitem que seus trabalhadores prestem serviços por duas horas além do horário. Com certeza aquela que não paga as horas extraordinárias, padaria B, vende o pão mais barato.
Suponhamos agora que ao lado de cada uma destas padaria há uma lancheria que vende cachorros-quente. Com certeza ambas as lancherias adquirirão seus pães da padaria B, tendo em vista o menor preço. Em contrapartida, os empregados da padaria A, por serem melhor remunerados, poderão freqüentar ambas as lancherias com maior freqüência, permitindo a circulação da renda na rua.
O proprietário da padaria B, por seu turno, por não freqüentar as lancherias, simplesmente embolsa o valor do lucro ilícito ou, aproveita para praticar valores mais baixos no seu produto e, desta forma, resta por excluir, por inviabilidade econômica, a padaria A do mercado.
Assim, no dia seguinte ao fechamento do estabelecimento da padaria A, a padaria B passa a praticar um preço inclusive maior do que aquela praticava até então, agora sem concorrência, sem deixar, é óbvio, em virtude do aumento da demanda, de exigir mais horas extras não pagas de seus empregados.
Encerrando a padaria A suas atividades e a padaria B encarecendo seus preços, as lancherias ficariam, ambas, em dificuldades, pois teriam de subir seus preços, além de não contarem mais com os clientes que eram empregados da padaria A, ao passo que os empregados da padaria B estariam ainda mais premidos pelo trabalho, não podendo, por este motivo, freqüenta-las. Como resultado também ambas as lancherias seriam forçadas a fechar as portas.
O proprietário da padaria B, neste caso, buscaria uma nova fonte de renda, venderia seu produto para outra cidade, o lhe seria facilitado pois então poderia praticar um preço baixo.
Em decorrência da conjuntura – em que os empregos estão minguando, e na qual seu proprietário, por conseguir não apenas se manter, mas também se expandir em tempo de crise –, o proprietário da padaria B é eleito o empresário do ano na pequena comunidade. Em seu discurso emocionado ele reclama dos direitos trabalhistas, que achatam as empresas; faz referência à padaria A, cujo proprietário, agora falido, se encontra presente para aplaudir o sucesso do antigo concorrente e, por óbvio, ataca a Justiça do Trabalho. Esquece de referir que o dinheiro amealhado dos seus empregados se encontra aplicado no mercado financeiro, em um banco na capital, sem gerar um único centavo de dividendos ao município em que sediada a sua empresa.
Observe-se que o trabalhador, ao receber sua remuneração, a entrega, integralmente, à economia local, especialmente aos pequenos comerciantes de alimentos, roupas e outros gêneros de primeira necessidade. De outro passo o empresário, no que é natural à sua atividade, acumula riquezas e estas são aplicadas em diversos ativos, os quais nem sempre fazem circular divisas.
Por isso os Direitos Trabalhistas estão consignados na Constituição, não como forma de proteção exclusiva do trabalhador, mas sim, indiretamente de toda a sociedade.
Pensar que se pode, excluindo direitos das classes menos abastadas, gerar crescimento é tão primário que nos custa mesmo a acreditar que pessoas muitas vezes instruídas o façam.
Os países avançados têm, todos, rígidas regras trabalhistas, que são integralmente cumpridas por todos. O desrespeito aos direitos mínimos do cidadão ocorrem em países atrasados, em que há enorme concentração de renda e desigualdade social, como os países da África, ou em países totalitaristas socialistas, como a China.
Entre uns e outros preferia que o Brasil estivesse no primeiro grupo.
Caro Dr., fiquei realmente impressionado com exemplo tão simples e ao mesmo tempo tão esclarecedor. Em todos os momentos de crise do capital surgem as vozes contrárias ao regramento trabalhista. Dizem que é muito caro admitir e demitir pessoal e que o sistema de custeio aflige de maneira exagerada o bolso do empresário. Gostaria de conhecer a sua opinião a respeito do futuro do Direito do Trabalho. O Dr. acha que as várias propostas de flexibilização e abertura do sistema trabalhista podem colocar em xeque as próprias carreiras nessa área? Ou haverá um novo direito trabalhista, voltado às negociações coletivas e menor intervenção estatal? E como estaria o Brasil, em termos de desenvolvimento econômico, se a metade da mão-de-obra informal estivesse inserida no mercado formal? Enfim, Dr., eu amo o assunto trabalho, sou estudante de direito e quero seguir minha carreira nessa área, mas os alarmistas sempre querem levantar suas vozes e decretar a morte do direito trabalhista. Qual sua opinião a respeito?
Um grande abraço e parabéns pelo blog. É excelente!!!
Interessantíssimo o ponto de vista do Dr.! De fato, estando eu numa pequena roda de amigos formada, em sua maioria, por advogados de empresas, me foi muito custoso lhes dar a entender o enfoque empregado no presente post. Foi-lhes estarrecedor quando afirmei que o Direito do Trabalho, antes de ser um produto próprio da resistência ao sistema capitalista, o é um fomentador. Por natural, fui quase que execrado do grupo, sob os brados de que a legislação trabalhista e previdenciária atravancam o progresso econômico. Henry Ford, no seu brilhantismo, já pensava isso no no seu momento histórico, vizinho do próprio nascimento do Direito Laboral, ao vislumbrar um espiral ascendente formada pelo trinômio salário-consumo-lucro. No entanto, na presente “parábola para crianças”, o dr. conseguiu traduzir algo que, por mais simplório que seja, não é percebido por muitos.
Leandro,
É uma idéia muito arraigada nas nossas cabeças esta de que o Direito do Trabalho é prejudicial à economia.
Aproveite na próxima vez que se reunir com seus amigos para lhes indagar quais os países capitalistas e ricos da atualidade cresceram com direitos trabalhistas mínimos.
Peça-lhes que apresentem elementos concretos, não apenas argumentos vazios.
Aliás qual região do Estado do RS que cresce com o descumprimento dos direitos trabalhistas? As regiões em que atuei em que há maior pobreza (Campanha e Capos de Cima da Serra) em que os direitos são diuturnamente sonegados continuam tão subdesenvolvidas como sempre, ao passo que Caxias e cidades vizinhas se desenvolveram “apesar” de cumprirem com a legislação trabalhista, com grandes indústrias e tudo o mais.
Dr., na hipótese suscitada, quem pagou bem (dono da padaria A), por ser correto e pagar a todos os seus direitos,injustamente foi execrado devido à concorrência desleal. É injusto, mas é o que acontece.
Muito bom o artigo!
@clarissa, tambem acho pois valeu apena