
Uma das matérias mais incompreendidas no Direito Processual acredito que seja o ônus da prova.
Em uma ocasião, enquanto debatia com um colega juiz sobre um assunto não jurídico, asseverei que ele deveria demonstrar a sua alegação, ao que ele retorquiu que, pelo fato de o tema não ser do Direito não eram cabíveis as regras de prova processuais.
No entanto, ao contrário do que meu colega acreditava, a matéria atinente ao ônus da prova não é jurídica, mas foi, simplesmente, importada pelo Direito por conta da necessidade de se utilizarem as suas regras de lógica e Filosofia.
O ônus da prova incumbe a quem alega e a quem tem maiores condições de provar. Carl Sagan em O Mundo Assombrado pelos Demônios, traz vários exemplos de charlatães que se passavam por magos, médiuns, adivinhos, etc. simplesmente porque os seus interlocutores ingenuamente desconheciam as regras de juízo crítico, submetendo-se às alegações o mais estapafúrdias.
Também no Direito Processual com uma frequência alarmante as partes, ou uma delas, desconhecendo as regras atinentes ao ônus da prova, se aventura em disputas jurídicas, muitas vezes fazendo a prova pelo seu adversário.
É o caso, por exemplo, de uma advogada de empregados que me confessou que em matéria de equiparação salarial, quando havia a negativa da identidade de perfeição técnica pelo réu, sempre requeria a realização de perícia técnica (art. 461 e parágrafos da CLT), apenas muito tardiamente vindo a perceber que a alegação de superior perfeição técnica seria fato impeditivo ao pleito de equiparação e, portanto, deveria ser demonstrado pelo réu, ou pelo menos ser iniciativa deste o requerimento de perícia.
Dia destes fui surpreendido com uma longa instrução oral em que o trabalhador era, reconhecidamente, gerente geral de um grande estabelecimento, estando, portanto, obviamente inserido na exceção do art. 62, II, da CLT. O autor pretendia, contudo, afastar esta exceção, pleiteando o pagamento de horas extraordinárias pelo excesso à oitava diária.
A prova oral produzida pela autor não disse nada demais. As testemunhas indicadas eram também ex-empregados da empresa e tinha, também, a pretensão de obter o mesmo direito que o autor. Estas circunstâncias, no meu entender, não configuram impedimento para o compromisso da testemunha, mas depõem contra a sua credibilidade.
De outra partes entendo que mesmo os gerentes gerais de empresas grandes não têm poderes absolutos, sem que isso, por si só, descaracterize os poderes de mando e gestão. Nesta medida depender do Departamento de Pessoal da empresa para selecionar e admitir trabalhadores e da sua outorga para despedir, dentre outras, apenas é característica de uma grande empresa, não um indício de menor responsabilidade do cargo.
Ou seja o autor, apenas com a prova oral por ele produzida, tinha a sua ação fadada ao fracasso, uma vez que nenhum elemento forte havia apresentado em apoio à sua tese de que não exercia com amplitude o cargo de gerente geral de filial.
No entanto, surpreendentemente, a empresa informou que tinha, e pretendia ouvir, três testemunhas. A primeira testemunha já foi desastrosa. É impressionante o quanto as partes desconhecem o potencial destrutivo que a própria testemunha tem contra elas. A testemunha apresentada pela ré, em verdade, não informou nada muito diferente do que as testemunhas apresentadas pelo autor. No entanto por ter sido apresentado pela própria parte, em especial no que informa contra esta a presunção de veracidade é quase absoluta. Resultado: a demandada pelo simples fato de ter ouvido suas testemunhas, ficou em uma situação infinitamente mais desfavorável do que se não tivesse produzido prova oral alguma. E o ônus da prova não era dela…
Excelente!
Isso é um dom. Pouca gente tem.
Por diversas vezes, ganhei ação sem testemunha alguma, em casos que o ônus da prova era meu, somente utilizando as testemunhas do réu. Confesso que somente passei a dominar esse assunto após a pós- graduação.