A produção da prova testemunhal é uma arte dominada por poucos. Diariamente percebo teses serem destruídas pela apresentação de perguntas erradas para as próprias testemunhas. Estou compilando situações assim e minha intenção é reuni-las em um texto. Talvez um manual da prova testemunhal.
Abaixo trago alguns exemplos tomados em audiência, coincidentemente do mesmo processo.
1) Há um pedido de horas extraordinárias em que o autor, motorista de ônibus, alega que tinha que conduzir o seu veículo para ser abastecido e depois lavado, sem que isso fosse registrado. A testemunha é da ré.
Neste caso a testemunha, embora apresentada pela ré, prejudica a própria parte já no interrogatório inicial procedido pelo Juízo.
Perguntada se acompanhava a lavagem a testemunha afirmou que “não acompanha a lavagem, pois atualmente há manobristas”.
Porque prejudicou: A testemunha fez a prova para a parte contrária informando que a situação descrita pelo autor como geradora de seus direitos – transportar o veículo até a lavagem – era verdadeira e se alterou apenas recentemente.
Qual a estratégia correta? A demandada poderia não ter feito a apresentação da testemunha ou, se houvesse outros pontos que necessitasse demonstrar, deveria ter buscado testemunhas que não desempenhassem as mesmas atividades do autor, o que deixou a empresa exposta.
2) O autor ainda pleiteia horas extraordinárias referentes ao início da jornada, sob a alegação de que havia diversas atividades que ele deveria fazer antes de iniciar a sua jornada registrada. A testemunha é da ré.
Advogado do autor: Se no início da jornada tinha que fazer a verificação do pneu, água, avarias no veículo?
Testemunha: Sim.
Advogado do autor: Se dava temo para fazer essas atividades se chegasse às 7h25min para ir até o ponto de saída?
Testemunha: Sim, todas estas atividades levavam em torno de 3 minutos.
Porque prejudicou: Este é um caso bastante comum de busca de excesso de informação. A testemunha já havia dado uma declaração valiosa para o advogado do autor: confirmou que eram necessárias diversas providências antes do início da jornada. O advogado poderia se ter dado por satisfeito ao final da primeira pergunta. Registra-se que ele era o último a perguntar porque a testemunha era da parte contrária. No entanto ao efetuar a nova pergunta, permitiu que a testemunha esclarecesse que o tempo para todas as atividades listadas era bem menor do que se poderia supor – estimado na inicial em torno de 15 minutos.
Qual seria a estratégia correta? O advogado ao obter aquela resposta da testemunha da parte contrária deveria ter, imediatamente, interrompido as suas perguntas ou, no máximo, trocar o tema. Ao permitir que o tema fosse esclarecido com a pergunta subsequente o advogado ainda aumentou a credibilidade da testemunha, estabelecendo um critério que talvez não houvesse sido cogitado pelo julgador para apurar o tempo despendido nas atividades.
Importante: Em situação alguma as testemunhas deverão ser orientadas pelas partes ou por seus procuradores, o que pode configurar crime ou ilícito processual. As situações aqui descritas dizem respeito à técnica de interrogatório e escolha de testemunhas, em nenhuma hipótese se sugerirá que as testemunhas sejam orientadas a informar ou omitir declarações.
Dicas mais que valiosas Dr. Jorge. Obrigada.