Consoante noticia em magnífico artigo o sítio Repórter Brasil, o Senado Federal, nossa vergonha nacional, através de uma Comissão Temporária Externa que na última quinta-feira (20) visitou a fazenda Pagrisa, desqualificou o trabalho do Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo no Brasil do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Esta situação levou a Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego a suspender todas as novas operações que fiscalizariam denúncias de trabalho escravo no país por tempo indeterminado. E os fundamentos apresentados pela chefe da secretaria, Ruth Vilela, são bastante ponderáveis: os auditores-fiscais lotados nesta unidade do MTE já trabalham sob forte tensão, sendo, constantemente, alvo de ameaças e até de atentados por conta de inescrupulosos empregadores flagrados se valendo de trabalho subordinado em condições degradantes.
Dentre as condições dos trabalhadores libertados identificadas pelo Grupo estão a ausência de salários, fornecimento de comida estragada e água imprópria para o consumo, alojamentos superlotados e inexistência de transporte para a zona urbana mais próxima.
A comissão do Senado que visitou a fazendo onde teriam sido libertados 1.064 (um mil e sessenta e quatro!) trabalhadores que viviam em condições análogas a de escravos era composta, dentre outros, pela senadora Kátia Abreu, que segundo o sítio Repórter Brasil, seria uma das maiores opositoras do combate ao trabalho escravo.
O Ministério Público Federal já, inclusive, ajuizou ação criminal em face dos proprietários da empresa Pagrisa, fundamentando-a no fato constatado que: “dotados de vontade livre e consciente, reduziram os 1064 trabalhadores a condição análoga à de escravo, submetendo-os a trabalhos forçados, a jornada exaustiva e cerceando a liberdade de locomoção desses trabalhadores, por meio da dificuldade de saída da fazenda, pela parca percepção de vencimentos, atrelada à cobrança excessiva pelos medicamentos e à cobrança de transporte para a cidade”. A ação tramita na vara federal de Castanhal com o número 2007.39.04.000812-4.
O mais interessante, contudo, é que no Senado Federal a comissão criada é composta quase que exclusivamente por defensores da empresa acusada. Tanto que a proposta do Senador José Nery do PSol-PA para que a visita na fazenda fosse acompanhada por membros da Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) foi rejeitada. O que não deixa de ser contraditório aos argumentos utilizados pelos próprios membros da comissão, que acolheram a reclamação da empresa segundo a qual “as fiscalizações são feitas de surpresa, não dando tempo para que os proprietários se preparem para receber o grupo móvel” (sic).
Ou seja encomendar os salgadinhos, docinhos, contratar os atores e mandar os trabalhadores para uma caverna. Assim como no momento em que os distintos senadores lá compareceram, sem a Conatrae, que, talvez, por ser composta por gente sem a sua fineza de trato, poderia constrangê-los ao querer revirar o lixo, ou levantar o tapete.
Aliás a equipe móvel, subordinada diretamente a Brasília, teve exatamente o propósito de evitar que informações acerca de fiscalizações “vazassem”, o que tornaria inútil o trabalho.
O grande “quê” da questão é que a Pagrisa produz biocombustível, o etanol, e o Brasil está interessado em se tornar um mercado exportador deste produto (contando, aliás, com uma forte oposição dos países membros da OPEP) , sendo que o fato de nosso commoditie ser produzido com o uso de trabalho escravo pode não ser bem recebido no mercado internacional.
O trabalho escravo contemporâneo, como é tratado pelo artigo referido, se caracteriza pela submissão do trabalhador a uma série de condições degradantes, tendo como característica principal a sua privação do salário através de artifícios vários, dos quais o principal é o fornecimento pelo empregador de produtos de subsistência através de estabelecimento próprio, a preços exorbitantes, mediante desconto na folha do trabalhador, o que lhe retira a disponibilidade e o impede de se afastar, uma vez que, em não raras oportunidades, são comprometidos salários futuros, em nítida infração legal.
O argumento de que é preferível este tipo de trabalho a trabalho algum, utilizado por alguns dos parlamentares integrantes da comissão, não subsiste quer frente às normas legais e internacionais de Direitos Humanos, quer porque o empregador não deixa de alcançar os haveres por impossibilidade econômica, mas, exatamente, tendo como objetivo se apropriar de uma fração superior ao que lhe assistiria.
A cereja do bolo é que no próximo dia 05 de outubro uma audiência pública apenas com simpatizantes da Pagrisa se reunirá, tendo como convidados no campo contrário apenas o coordenador da operação do MTE, Humberto Pereira, certamente para ser execrado e humilhado. Eu, se fosse ele, não compareceria.
Links relacionados:
Sítio da empresa Pagrisa, em que afirma ter boas práticas trabalhistas.
Livros acerca do tema de Trabalho Escravo no Brasil, no Submarino.com.
[…] No entanto em se tratando de trabalho em condições análogas a de escravo é interessante se dar uma olhada no artigo de Lúcio Lambranho para o Ig, no qual, ademais de traçar uma radiografia da situação da propriedade ele relembra um caso célebre, que foi tratado pelo nosso blog relativo à comissão criada no Senado Federal para investigar a ação dos Fiscais do Trabalh…. […]
[…] isso o Senado Federal admoesta a fiscalização do trabalho por cumprir o seu papel. . 02 Oct 07 | direito do trabalho, […]
[…] Lá, acordo programático – Aqui, acordo caracu – Blog do Ronald Feridas Abertas – Apoio Fraterno O Senado Federal e o Combate ao Trabalho Escravo no Brasil – Direito e Trabalho Ei, este lixo não te pertence mais! – Apoio Fraterno Artimanha – Jus […]
Muito bom o artigo.
Nos visite também.
http://etcetau.blogspot.com/
Obrigada.
é o fim dos tempos!! e o pior, é ter que ouvir que “condições degradantes de trabalho” podem variar de uma região para outra do país! Como se não ter água potável, alojamentos decentes, comida etc (isso sem falar na mínima retribuição pecuniária pelo trabalho), fosse uma questão cultural, a que os trabalhadores das diferentes localidades pudessem já estar acostumados e que, por tal razão, não precisariam ser atendidas pelo empregador…
Parabéns pelo artigo!
E parabéns ao Grupo Móvel (torço para que sua atuação não seja abalada por mais este vergonhoso ato do nosso Senado Federal!!!)
Um abraço
Tatiana
Jorge,
parabéns pelo corajoso artigo!
Conte conosco.
Grande abraço
pepe
juiz do trabalho em Belo Horizonte
Estava com o Gmail aberto para lhe enviar o link desse artigo do Repórter Brasil quando apareceu o seu texto no meu leitor de Feed.
‘braços
Celso Bessa
Jorge, que bom que trouxe esse assunto pro blogue.
Venho lendo – mais através da agencia Brasil – esse horror. Primeiro essa comissão externa, pra verificar “abusos de poder” e a posterior paralisação dos fiscais.
Mas o que fez meu sangue ferver foi o disparate que a senadora Katia disse:“Não adianta libertar e desempregar. Temos que achar um caminho”. (http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/09/26/materia.2007-09-26.7435050350/view)
Não dá pra saber o pior, se ela acha que o que acontecia era um trabalho que prendia, ou uma escravidão que pagava. Ela alega q a Pagrisa é a maior “empregadora” na região e que contratos de trabalho foram rescindidos com abuso.
O Para é conhecido nesse tipo de acusação, o que piora tudo: não é o único caso.
Alguem fecha o Brasil e apaga a luz!