Não gosto de parecer corporativista. Acredito que seja um “defeito” de muitos dos meus colegas magistrados, o que faz com que, muitas vezes, “apanhemos quietos” quando estamos sendo vítimas de críticas, em especial ao que gostam de chamar de nossos “privilégios”.
Nos últimos dias o algoritmo do Twitter me fez conhecer a Economista Marina Helena Santos, diretora do Instituto Millenium, que não poupa críticas quando trata da remuneração e outras “vantagens” dos magistrados brasileiros.
Não consegui reunir muitas informações sobre a economista em alguns minutos de pesquisa na rede. No entanto, o fato de ela se denominar a CEO do Instituto Millenium já nos dá algumas indicações. No “quem somos” da página da entidade eles se definem como uma instituição que “promove valores e princípios que garantem uma sociedade livre, com liberdade individual, economia de mercado, democracia representativa e Estado de Direito”.
Provavelmente a Marina deve ser uma profissional liberal. Talvez seja empresária ou venda consultoria para órgãos públicos ou empresas privadas. De qualquer forma tenho certeza que a economista Marina deve dar valor aos acordos interindividuais e ao fato de que o que é pactuado deve ser cumprido.
Bem, por incrível que possa parecer, eu não nasci juiz, eu nasci e cresci em Porto Alegre, estudei na escola, fiz vestibular, me graduei em Direito, fiz concursos para a Justiça do Trabalho como servidor de nível médio, superior e, finalmente, magistrado. Ingressei como juiz substituto e, por antiguidade, fui promovido a titular. Trabalhei e morei no interior, fui sendo removido para a capital e, quando fui promovido, refiz todo o caminho do interior para a capital novamente. Ao longo deste período casei, fiz especialização, master, cursos e, atualmente, estou exercendo a função de Vice-Diretor do Foro.
Quando ingressei na magistratura já sabia que juízes têm dois meses de férias, que a Semana Santa começa na quarta-feira e que além disso há o recesso no final do ano. Há ainda previsão constitucional de revisão anual dos subsídios (art. 37, X). Na época, ainda, a aposentadoria poderia ocorrer com 30 anos de serviço e vencimentos integrais.
Eu poderia, na minha juventude, ter optado por vários caminhos. Poderia, inclusive, ter estudado Economia e hoje ser Diretor do Instituto Millenium. A escolha pela magistratura não foi acidental nem aleatória, mas feita a partir de um quadro existente e que se esperava fosse estável.
É possível altarar? Claro que sim! Houve algumas coisas que já foram alteradas através de PEC. A aposentadoria, por exemplo, caso tivesse permanecido a aposentadoria aos 30 anos de serviço hoje talvez eu fosse um ex-juiz, exercendo a honrosa profissão da advocacia. No entanto temos que atentar para o cumprimento do que foi estabelecido. Se a Marina Helena eventualmente celebrar um contrato com uma empresa privada ou mesmo um ente da Administração Pública, ela vai querer zelar para que as suas cláusulas sejam observadas. Eventualmente alguma pessoa em particular pode até mirar o contrato que ela venha a estabelecer e acreditar que os valores ali estabelecidos sejam exagerados.
Contudo, com certeza, ela poderá justificar com precisão os fundamentos pelos quais o valor seja justo e, caso tenha algum problema na execução, vai se socorrer do Judiciário para fazer valer suas cláusulas.
“Aí, mas é imoral que alguém ganhe tanto!!, pode dizer alguém. Moralidade, no entanto, é um conceito por demais subjetivo. Ainda que tenha assento constitucional, é muito difícil assegurar que um dispositivo de lei seja, efetivamente, imoral. Temos visto ultimamente que a moral de alguns não é, realmente, tão concreta quanto afirmam. Temos visto políticos que foram às ruas contra a corrupção serem acusados de defender a criação de um partido nazista, terem relações sexuais com jovens de 15 anos ou até se aproveitar da guerra para explorar mulheres nas zonas de conflito.
Juízes e o Judiciário têm, não apenas no Brasil, mas no mundo, um papel civilizador. É através do Judiciário, não de atos de justiçamento, que se corrigem desigualdades. E o Judiciário tem, sim, dado boas respostas para o descumprimento da lei. O próprio Judiciário Trabalhista, que é sempre objeto de críticas, em especial da classe empresarial, é, na realidade, o grande responsável e ator da livre concorrência, na medida em que impede que maus empregadores, que, via de regra, são também maus empresários, prejudiquem a concorrência a partir da redução dos direitos dos próprios trabalhadores.
O empresário que reduz os seus preços artificialmente mediante a violação dos direitos dos seus trabalhadores, prejudica duplamente o livre mercado. Primeiro porque retira dos seus empregados o seu poder aquisitivo e, a seguir, porque ao conseguir praticar preços menores, acaba atraindo os clientes das outras empresas.
No entanto, tal como a tarefa do guarda florestal, a missão do juiz ou do juiz do trabalho não são fáceis de se ver de fora, principalmente por quem não quer ver. Só o guarda florestal pode lhe dizer o número de incêndios que conseguiu combater no seu início, o número de animais que salvou de armadilhas ou após um atropelamento, as pessoas que encontrou perdidas e as resgatou.
Não há um mural de boas notícias da floresta, assim como não há um mural de boas notícias do Judiciário. Quando o juiz mediou um acordo que pôs fim a um litígio, quando deu uma sentença que as partes sequer recorreram ou quando concedeu uma liminar que impediu uma grande lesão, ele sabe que não fez mais do que a sua obrigação.
Por tudo isso eu desejo a todos os meus colegas juízes do trabalho um excelente dia e aos nossos jurisdicionados peço reflexão.
Qual o tipo de juízes nós queremos para resolver os nossos litígios? O que tem seus direitos previstos e respeitados ou algum outro?