Com muita frequência ouço em sala de audiência esta frase. Geralmente dita pelo advogado de um empresário. Geralmente em uma situação em que, mais tarde, vamos verificar que o valor da dívida era inclusive maior do que a proposta apresentada pelo adversário.
Mas qual o seu defeito e porque ela pode trazer ainda mais prejuízo à posição de quem a pronuncia.
Muita gente já deve ter ouvido uma outra frase, muito semelhante a esta, atribuida geralmente a algum chefe de Estado: “Não negociamos com terroristas.” No entanto exceto que você tenha um Grupo Alfa e esteja disposto a arcar com o carma que daí decorrerá, é bom rever os seus conceitos.
Frequentemente somos levados a negociar em situação em que temos 100% de razão. Se um flanelinha na entrada de um show de rock nos exige uma quantia exorbitante para “cuidar” do nosso carro vamos ter que de alguma forma negociar para não sofrer um dano à nossa propriedade.
Se um fiscal de trânsito está lhe aplicando uma multa por uma infração que você acredita não ter cometido você vai conversar com ele sobre o assunto e tentar convencê-lo, na pior das hipóteses, a lhe aplicar uma multa menor.
Ou, em um caso ainda mais extremo, se você está sendo assaltado e o ladrão está a ponto de levar sua bolsa ou carteira, é possível que você tenha sangue frio suficiente para negociar que ele lhe deixe os documentos ou outros bens pessoais de menor valor.
Em qualquer destes casos você ficará, inclusive, muito feliz que o malfeitor esteja disposto a negociar.
Também o Estado negociará em hipóteses semelhantes. As principais forças públicas têm, inclusive, profissionais encarregados desta negociação. Eventuais limitações do Estado em negociar – não poder prometer, por exemplo, a liberdade ou a não aplicação da lei por conta de determinados crimes -, não significa que não possa ceder em outras exigências como a presença da imprensa, de advogados ou familiares dos criminosos. Isso frequentemente ocorre.
Em regra quem é mais intransigente em uma negociação é, na verdade, o terrorista ou criminoso. Se o terrorista tomou reféns para exigir um determinado ato do Estado, é bastante comum que ele ameace incessantemente atentar contra a vida ou a incolumidade física destes enquanto não obtiver a declaração de que as suas exigências poderão ser ao menos examinadas.
Dispor-se a ouvir as exigências e buscar atendê-las dentro das suas limitação é o papel da vítima, não do terrorista.
Em uma situação em que há um litígio, seja uma ação trabalhista, seja uma tomada de reféns, mostrar-se disposto a negociar pode evidenciar que a razão e o bom senso estão ao seu lado e conduzir o negociador, ou o tomador de decisões, para o seu lado.
Ninguém gosta de litigantes intransigentes e o fato de haver o processo e tudo que daí decorre, tal como a audiência e os seus desdobramentos, nos coloca em uma situação de negociação.
É importante, mais do que tudo, estar ciente de que em um processo judicial a decisão, acaso não se estabeleça acordo, não será mais das partes. E é necessário, ainda que minimamente, assenhorar o terceiro encarregado de tomar a decisão, seja o juiz no processo, seja o sniper na tomada de reféns, que há uma racionalidade envolvida e que os argumentos de quem está sendo premido a negociar são bons.
Neste caso uma proposta fundamentada é sempre melhor do que uma negativa e desvia o foco para o adversário (se eu tomo a frente nas negociações e apresento a minha proposta, eu posso estar, inclusive, estabelecer os parâmetros iniciais da negociação a em volta da qual ela ocorrerá – chamamos isso de âncora).
Em resumo: ainda que você considere que a ação é improcedente, o mero fato de ela existir é motivo suficiente para que você negocie. E iniciar as negociações demonstrará que você não é o “cara mau” da situação.
Post scriptum: Meu amigo @gewehr_41 fez algumas observações interessantes no Twitter sobre este artigo.
Discordo completamente, chantagem em hipótese nenhuma deveria ser recompensada e premiada.
Fazer acordo pq a “justiça” pode tomar o lado terrorista só mostra o quão podre o sistema é.— gfg (@gewehr_41) March 24, 2021
Ele está certo, sob o seu ponto-de-vista, e é bom esclarecer. Em muitas circunstâncias, sofrer um constrangimento ou ameaça de dano, deve contar com uma resposta à altura que coloque fim a esta, se necessário, mediante o socorro de uma autoridade pública ou hierarquicamente superior a quem está criando o constrangimento.
No entanto há muitas situações que estão em zonas cinzentas o suficiente que tentar minorar o dano imediatamente talvez seja a melhor opção. Eu não chamaria um policial em decorrência de um constrangimento de um flanelinha ou o superior hierárquico de um agente de trânsito, salvo se houvesse uma situação extrema em que eu entendesse que “comprar a briga” seria inevitável.
De outra parte em uma lide processual muitas vezes, ainda que saibamos ter razão, temos que convencer disso também o tomador de decisões, no caso o juiz, que pode não ter condições de assimilar exatemente o meu ponto-de-vista (aliás como ocorreu com o meu amigo @gewehr_41 que, embora tenha si disposto a ler e reler o artigo acima, ainda apreendeu a sua mensagem diferentemente do que eu tinha em mente).
Neste quadro o que eu sugiro, sempre, é, no lugar de rechaçar imediatamente qualquer hipótese de negociação, se utilize esta oportunidade como um momento a mais para expor o seu ponto-de-vista sem deixar de fazer alguma proposta que, ainda que seja considerada injusta, possa por termo ao litígio e poupar o gasto de mais tempo no trâmite da demanda.
[…] outro lado, como já dissemos alhures, quem não negocia em uma situação em que isso é possível, é mais propriamente…. O bom cidadão negocia sempre, ainda que seja para argumentar, ou demonstrar, a impertinência do […]