Duas notícias publicadas na mídia nesta última semana colocam o Poder Judiciário sob suspeita. A primeira, que também inspira o título deste artigo, diz respeito a um encontro periódico, promovido pela Federação dos Bancos, a FEBRABAN, e que reuniu no feriado de Tiradentes alguns ministros do TST e juízes de tribunais trabalhistas, com acompanhantes, em um hotel de luxo, que foi noticiado pela Folha de São Paulo (exclusivo para assinantes) e pelo Blog do Noblat.
A segunda diz respeito ao fato destacado pelo Jornal O Estado de São Paulo de que centrais sindicais estariam assumindo o lobby em favor de órgãos da Justiça do Trabalho, pleiteando a criação de mais cargos de Juízes do Trabalho-Substituto.
Inclusive nas listas de discussão de juízes é quase que unânime a adesão à censura propugnada pelos meios de imprensa, condenando-se a proximidade de juízes com os sindicatos. No entanto, como diria o notável Nélson Rodrigues, toda unanimidade é burra. E embarcar em uma idéia concebida por outrem, apenas pela sua boa aparência não demonstra inteligência.
Tanto em um caso quanto em outro a relação que se denuncia é da Justiça do Trabalho com sindicatos, ora representantes de empregadores – os bancos -, ora de trabalhadores – as centrais -, que têm, sim, interesses perante da Justiça do Trabalho.
O que se parece esquecer é que os sindicatos e Justiça do Trabalho já estivem muito mais ligados do que aparentam hoje. Para a imprensa de memória curta, recordo que até o final de 1999 sindicatos de empregados e empregadores indicavam representantes classistas para ocupar cargos nas então Juntas de Conciliação e Julgamento (dois para cada juiz, um pelos empregados e um pelos empregadores), nos Tribunais Regionais do Trabalho e no Tribunal Superior do Trabalho, quando então eles interferiam diretamente nos julgamentos e na administração dos tribunais.
Isso não evitou que os juízes trabalhistas e suas associações tenham-se rebelado contra isso, iniciando a discussão que levou a extinção desta aberração, através da Emenda Constitucional 24, de 09 de dezembro de 1999.
Se alguns juízes de instâncias superiores comparecem a um encontro promovido por uma entidade sindical isso deve, longe de ser condenado, ser saudado, diante da sua disponibilidade de renunciar a um feriado para exporem as suas idéias a representantes da sociedade civil. Se isso ocorre em um hotel confortável não acredito que daí se possa aferir qualquer desvio ético.
A primeira questão seria de se perguntar se o encontro tivesse sido promovido por uma entidade de trabalhadores, e que se oferecesse a hospedagem em um hotel “fuleiro” e refeições em “quentinhas”, haveria o mesmo interesse em comparecer?
Eu provavelmente compareceria. Aliás já estive em eventos em condições bem piores, como, por exemplo, no último Campus Party, em que compareci por minha conta, tendo-me hospedado em um Ibis, apenas porque não consegui vaga no Fórmula 1, me deslocando diariamente de metrô até o local do evento.
No entanto não tenho a mesma certeza em relação à minha mulher, que poderia não achar tão interessante que eu me ausentasse durante um final de semana prolongado em uma atividade como estas.
Entretanto se o convite a incluísse, e ainda a possibilidade de ficar em um hotel um pouco mais confortável, com certeza seria mais fácil o seu convencimento.
Aliás há não muito tempo fui convidado para um evento em um hotel bastante agradável em Gramado, com preço notoriamente subsidiados, no qual haveria a exposição dos ideais de uma determinada ideologia. As exposições eram pela manhã e tarde, durante todos os dias, um saco. Minha esposa, no entanto, pode usufruir do hotel, que não teríamos conhecido de outra forma, e pudemos fazer alguns jantares agradáveis. Tendo eu aproveitado para conhecer mais profundamente o pensamento, sem que me tenha influenciado sob nenhum aspecto.
Acreditar, no entanto, que magistrados das instâncias superiores, pelo simples fato de conviver por alguns dias com representantes de determinada categoria profissional ou econômica, poderão ter a sua “mente reformatada” em seu benefício é ter muito pouca fé na inteligência nestes juízes.
Não esqueçamos que os juízes têm a obrigação de receber em seu gabinete as partes e seus advogados, expediente que é usado desmedidamente em Brasília, com notório prejuízo aos Ministros, que tem a sua atividade interrompida constantemente para que possam fazer estes atendimentos. Se houver, portanto, o interesse em corromper tais autoridades, muito mais fácil se fará ao interpelá-lo em tais circunstâncias, não em um hotel de luxo, ao lado de outros profissionais e de um grande número de testemunhas.
Até mesmo porque, o comparecimento em um evento, em detrimento de outros tantos, se ocorre, é apenas em virtude da indisponibilidade dos ministros em atender a todos os convites que lhes são feitos. Salvo se a própria Folha de São Paulo entenda, por exemplo, que o comparecimento do Presidente do Supremo Tribunal Federal para a sua “sabatina”, em detrimento de outros meios de comunicação, também seja suspeita.
Da mesma não se constata qualquer irregularidade no fato de centrais sindicais, representantes de trabalhadores tenham interesse na ampliação dos quadros do Judiciário Trabalhista, o que implicará na maior agilidade no julgamento das demandas de seus representados.
Se é honesta a pretensão da imprensa em apontar falhas na estrutura do Judiciário, que, de fato, existem, se poderia enumerar um vastíssimo rol de questões que seriam muito mais importantes para se discutir e aprimorar.
Por exemplo a forma de nomeação dos integrantes dos tribunais superiores. Atualmente estas nomeações pertences exclusivamente ao Presidente da República, com a análise meramente pro forma do Senado através de uma sabatina.
Bons magistrados são preteridos em favor daqueles que têm mais desenvoltura para a articulação política, em nítido prejuízo para a evolução da jurisprudência. Aliás esta não é uma mazela exclusivamente brasileira, como se pode apreender do recente livro de John Grishan, O Recurso, ou, igualmente dele, e que se tornou inclusive um filme, com Júlia Roberts, O Dossiê Pelicano. O que, no entanto, não impede o debate.
[…] comentários ao meu artigo anterior, em que eu dizia que não via nada de mais em ministros de tribunais superiores par…, me alertavam para o que eu próprio muitas vezes afirmo em relação a nos preocuparmos em ser […]
Ministros e FEBRABAN: precisamos nos preocupar?: O Dossiê Pelicano, baseado na obra de John Grishan Duas notícia.. http://tinyurl.com/q27r7b
Exmo Juiz Jorge Alberto Araujo, cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça!
Apesar de seu aclarecedor texto, tudo que vemos em nosso país nos leva o pensamento em outra direção.
Hoje o camarada tem que matar a cobra e mostrar o pau!
Perdoe-me pela ignorância, “estou” como Tomé, só vendo pra crer!
@Nelson Quintanilha,
Acredito que você resuma o que se pode dizer da situação. Por favor não deixe de ler meu comentário endereçado ao Arthurius Maximus.
Juiz não tem que ir a eventos sejam eles pagos por quem quer que sejam. Juiz tem é que julgar com isenção e competência, essa é a única função de um juiz, o resto é desvio.
Para mim, como cidadão, soa bastante promíscua a ideia de ver juízes que decidirão causas propostas por mim (contra bancos por exemplo) participarem de festas, encontros, simpósios, ou seja lá o que for, em paraísos litorâneos tendo como financiadores os réus mais poderosos do país (ou qualquer outro grupo). Se o assunto do “simpósio” for de interesse, os juízes e suas próprias associações é que devem promover o evento.
Sinto na carne isso ao ter um processo parado em primeira instância contra o maior banco brasileiro (testemunhas, ouvidas, perícia realizada, documentação comprobatória apresentada) e perceber que o primeiro juiz que julgou favoravelmente a mim de repente, entrou em licença prêmio (ou o que o valha); ao retornar entrou em licença médica; ao retornar, foi substituído por outro e promovido ao órgão superior do tribunal.
Em seguida, seu substituto, ao deparar-se com a decisão já tomada (e favorável a mim, segundo o próprio juiz anterior relatou na audiência) e apenas não publicada, resolveu ignorar todo o processo e “começar de novo”.
Dez anos depois… o processo continua em primeira instância e com o mesmo juiz. Que reiteradamente prorroga os prazos para que o banco apresente documentos (que nunca apresenta). Ao ser inquirido, pela absurda demora, no órgão superior do tribunal; ele (malandramente) marca um “depoimento pessoal” para o final deste ano (as vésperas do recesso).
Se não estiver havendo má fé nesse caso, o juiz é tremendamente incompetente.
Contudo, eu duvido muito. É muito mais crível que ele esteja se lembrando dos grandes momentos românticos que viveu num resort a beira do Atlântico (ou do carrão na garagem que surgiu não se sabe de onde, ou de qualquer outro presentinho que, infelizmente, jamais poderei lhe presentear para ter meu caso resolvido com rapidez).
Como funcionário aposentado desse mesmo grande banco, já vi como a justiça e seus servidores são “agraciados” com “lembrancinhas” pela empresa e como até delgados de polícia exercem trabalhos particulares e a soldo para a recuperação de veículos financiados.
Vivemos numa nação em que, infelizmente, é impossível acreditar na retidão e na ética de nossas autoridades e de qualquer um de seus integrantes. (o povo idem)
estão aí os recentes escândalos de sentenças vendidas que não permitem o ofuscamento dessa triste verdade.
Sabes que sou um grande admirador seu e a sua opinião sempre me honra e contribui positivamente com o blog. Neste caso, embora tenhamos opiniões distintas, não é diferente.
O que quis expor no artigo acima foi que o mero fato de os ministros terem participado de um evento promovido por uma entidade sindicatl não deve, por si só, causar escândalo.
Importante ressaltar que estamos falando dos ocupantes dos cargos de cúpula do Judiciário Trabalhista, que não estão nos cargos em que estão pela sua ingenuidade, por freqüência a grupos de oração ou prática da caridade.Ao contrário os ministros para chegarem ao TST devem ser indicados pelo Tribunal, escolhidos pelo Presidente da República e aprovados pelo Senado, ou seja têm que fazer muito bem a lição de bater em portas e apertar mãos. Isso os integrantes da carreira, sendo que 1/5 deles ainda é de advogados ou membros do Ministério Público do Trabalho, que têm uma via crucis muito maior.
Neste quadro ou confiamos nos nossos ministros, participem de um final-de-seman prolongado pago pelos bancos, pelas centrais sindicais, por Deus ou o Diabo, ou deles já deveríamos desconfiar desde sempre.
Do contrário seria mais ou menos como acreditar que os ministros são Gremlins e que se permitirmos que comam após a meia-noite virarão monstrinhos terríveis. O que apenas serve à imprensa sensacionalista que precisa mais de uma notícia do que de um fato.
@Jorge Araujo,
Olá Jorge.
E eu digo o mesmo de você. Sempre com artigos interessantes e com um ponto de vista lúcido.
Mas eu desconfio disto, desde sempre. inclusive lá pelos idos de 2007 (essa foi ótima) já comentava o fato no meu extinto primeiro blog – Um País Chamado Uati – onde relatava tudo o que passei antes, durante e depois de ser diagnosticado com l.e.r. lá no “maior banco brasileiro” (o nome do blog deixa claro).
E, no próprio Visão Panorâmica, já mencionava esse incômodo a cada ano de evento.
Sei que os integrantes das altas cortes têm histórias de vida e exemplos para dar. Mas esse “namoro” com empresários ou associações de classe (de qualquer natureza) não me parece moralmente aceitável.
Como “guardiães da imparcialidade”, pelo menos na teoria, os juízes (sejam de que instância forem) deveriam resguardar-se desse tipo de contato.
Não digo que há dolo ou má fé. Digo apenas que não passa segurança ao cidadão saber que alguém, flertando com benefícios provenientes dos poderosos, poderá vir a julgar uma causa judicial (contra esses poderosos) no futuro.
É a mesma coisa que um deputado fazer “simpósios” com as despesas pagas por empreiteiras no exterior ou aqui. Não é ilegal. Mas não transmite seriedade e isenção.
Eu, particularmente, cito sempre a mentalidade errada que os juízes têm de que as sentenças não devem enriquecer o reclamante. E isso é um ranço desses flertes e da cultura reinante (aos poderosos… Tudo). Por isso, ao invés de servir como doutrinador e poder inibidor (através de sentenças e indenizações pesadas) o judiciário brasileiro se tornou o principal aliado dos grandes bancos e das grandes empresas que lesam o cidadão.
Afinal de contas, determinar uma indenização de 500,00 para um banco que arruinou a vida financeira de um cliente, por quase quatro anos (um amigo meu) ao protestá-lo indevidamente; tendo feito com que ele quase perdesse o emprego e se visse humilhado em diversas ocasiões, é um prêmio ao infrator e uma cusparada na cara de quem se viu prejudicado injustamente.
Não é a toa que bancos e as telefônica, ao invés de corrigirem os problemas graves e os ilícitos que cometem contra os clientes, referem “firmar convênios” e abrir departamentos dentro dos tribunais para firmar acordos.
No nível atual de desmoralização a que nossas instituições chegaram; é simplesmente inadmissível um flerte assim. Mesmo que seja inocente.
Afinal de contas; quem garante que assim seja?
É triste? É uma pena? É uma terrível situação de desesperança?
É. Mas também é uma realidade nacional.
@Arthurius Maximus,
Estas indenizações por danos morais em valores excessivamente baixos de fato mais ofendem do que reconstituem a moral dos lesados.
Apenas acredito que não será ali, no hotel, que o juiz será cooptado. Se o juiz tiver tendência à corrupção ele mesmo procurará uma forma de se “vender”, enquanto se for honesto, nem mesmo por bilhões se corromperá.
Mas é bom ter este seu feedback. Mais uma vez obrigado pelas suas opiniões sempre lúcidas!