O Governo Federal editou no final do ano passado a Medida Provisória n. 410, de 28 de dezembro de 2007, que disciplina a contratação de trabalhadores rurais por curto prazo.
A nova regulamentação dispensa, nos casos em que relaciona, o registro na CTPS do trabalhador ou em ficha de empregado, sem, no entanto, desvinculá-los da Previdência Social.
A norma merece censura sob diversos aspectos.
- Em primeiro lugar por desprestigiar um documento que é o atestado de cidadania de qualquer trabalhador – a Carteira de Trabalho e Previdência Social, CTPS – cujo registro é extremamente simples, motivo pelo qual não se justifica qualquer alteração em sua sistemática.
- Podemos acrescentar, ainda, que a matéria não comporta relevância ou urgência para atropelar o processo legislativo, o que torna a referida MP inconstitucional.
É sempre lamentável se apreender que um governo chefiado por alguém oriundo da classe dos trabalhadores tome medidas desregulamentadoras da relação formal de trabalho e flexibilizantes, sem que se perceba na sua intenção qualquer contrapartida em favor daqueles que tem no trabalho a sua única fonte de sustento.
Observe-se, por oportuno, que o trabalho rural, em virtude de se desenvolver longe dos centros urbanos já sofre uma dificuldade natural de fiscalização pelos órgãos competentes. O que somente se vem a agravar com a ausência de documentos essenciais.
É oportuna a transcrição da nota pública apresentada pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT.
NOTA PÚBLICA
A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), entidade de classe que congrega os Membros do Ministério Público do Trabalho de todo país, vem a público manifestar-se, contrariamente, à dispensa de registro dos contratos de trabalho de curta duração no meio rural e ao pagamento diretamente ao rurícola de todas as parcelas do contrato calculadas dia-a-dia.
Em 18 de dezembro deste ano, o Ministério da Previdência Social submeteu ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República minuta de medida provisória que cria o contrato de trabalho rural por pequeno prazo, acrescentando o artigo 14-A na Lei n. 5.889, de 8 de junho de 1973, e dispõe sobre a aposentadoria do trabalhador rural.
Tal minuta, no que concerne à dispensa de registro dos contratos na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) e no livro ou ficha de registro de empregado (art. 14-A, § 3º) e ao pagamento diretamente ao trabalhador de todas as parcelas trabalhistas calculadas dia-a-dia (art. 14-A, § 8º), trará imensos prejuízos aos trabalhadores rurais, além de não atender aos requisitos constitucionais da relevância e da urgência.
A dispensa de anotação dos contratos de trabalho rural estimulará ainda mais a informalidade (leia-se ilegalidade) no meio rural, dificultando – se não impossibilitando – a atuação da fiscalização trabalhista.
O registro na CTPS, além do simbolismo de cidadania trabalhadora sempre exaltado corretamente pelo Governo Federal, representa importante instrumento de formalização, de prova e de garantia dos direitos contratuais, imprescindível à segurança das relações jurídicas laborais.
Por seu turno, a desobrigação de anotar o livro ou ficha de registro de empregado causará sério embaraço à inspeção do trabalho, que não pode prescindir deste instrumento para verificar, como determina a Constituição (art. 21, XXIV), o cumprimento da legislação trabalhista, a começar pela própria formalização da relação de emprego, essencial à fiel observância das demais obrigações.
Dispensado de quaisquer registros, o empregador certamente ficará tentado a não formalizar (leia-se legalizar) tais contratos de pequeno prazo e até outros de duração maior, podendo sempre alegar que a contratação é recente. Isso prejudicará todo o esforço de legalização das relações laborais no campo, afetando o combate ao trabalho escravo, degradante e superexplorado.
Paradoxalmente, a medida provisória sugerida, ao dispensar esses registros de pouca complexidade e burocracia, exige, na falta deles, a formalização de contrato escrito, bem mais custoso e complexo.
Bastante prejudicial aos trabalhadores é também a norma contida no art. 14-A, § 8º, que determina o cálculo dia-a-dia e o pagamento imediato ao trabalhador de todas as parcelas do contrato, como férias, o adicional de 1/3 e o décimo terceiro salário. Na prática, ter-se-á a diluição desses direitos ou mesmo seu conglobamento no valor que seria, na verdade, apenas para pagamento do salário mensal, o que é vedado pela legislação trabalhista (Súmula n. 91 do TST).
Aliás, essa era uma das finalidades do Projeto de Lei n. 5.483/2001, que possibilitaria tal flexibilização mediante negociação coletiva. Não é demais lembrar que foi este Governo que, em boa hora, retirou o Projeto do Senado, após já ter sido aprovado pela Câmara. Contraditório, portanto, que ele mesmo pretenda agora instituir tal regra flexibilizante e precarizante, agravada pela imperatividade da medida provisória.
Embora nobre o intento de estimular a inserção de maior número de trabalhadores rurais na proteção previdenciária, as medidas sugeridas trarão mais prejuízos do que benefícios, razão pela qual devem ser rejeitadas, como aliás propugna o Ministério do Trabalho e Emprego na NOTA TÉCNICA N.º317/2007/MGC/SIT, de 26 deste mês.
O tema carece, no mínimo, de mais discussão e aprofundamento, não podendo ser objeto de medida provisória, até porque, repita-se, não atende aos requisitos constitucionais da urgência e relevância. Nesse sentido, há em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 1.367/2007, muito similar às proposições contidas na minuta em questão.
Por todo exposto, reiterando o caráter precarizante e flexibilizante da proposta, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) roga ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República que não edite medida provisória sobre esses temas.
Brasília-DF, 28 de dezembro de 2007.
Sebastião Vieira Caixeta
Presidente
Art. 62 da Constituição Federal: Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
Aí eu pergunto: cadê a relevância? Cadê a urgência?
Estudar Direito no Brasil não é fácil, agente aprende “A” na faculdade, o governo faz “Z”.
Permita-me aqui fazer uma pergunta que, se lhe parecer asneira, apenas desconsidere: essa medida não acaba facilitando os mecanismos de fraude junto à previdência?
Você tem toda razão André!
Fica difícil de entender se o governo quer facilitar a contratação ou a fraude, uma vez que o registro na CTPS é a menor de todas as burocracias (basta pegar o documento, anotar seus dados para efetuar o registro do empregado nos órgãos correspondentes e registrar o contrato).
Todos reconhecemos que é necessário desburocratizar a contratação de trabalhadores, bem como reduzir encargos, mas isso não se conseguirá facilitando a informalidade.