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Íntegra das decisões sobre os jogos de futebol durante o calor portoalegrense

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Ontem postei artigo breve sobre a decisão do Juiz do Trabalho de Primeiro Grau, Rafael Marques, que deferiu liminar requerida pelo sindicato dos atletas gaúchos para que não houvesse partidas durante os horários de maior calor na cidade.

A decisão, parcialmente reproduzida no primeiro post agora foi reproduzida na íntegra na página do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

“Há que se deferir o pedido de liminar em ação cautelar. É norma de saúde do trabalhador, atleta profissional. Note-se que a onda de calor é a maior no Rio Grande do Sul, e isso é público e notório, nos últimos trinta anos. Não há como praticar o futebol com calor de mais de trinta e cinco graus, com picos de até quarenta e três graus. Faça-se o registro que a rádio gaúcha, por um de seus repórteres, ontem a tarde, no jogo Grêmio e São Luis, informou que a temperatura estava em quarenta e dois graus e sete décimos. Outra informação do mesmo meio de comunicação é a trazida pelo atleta Rafael Marques do Grêmio. Este trabalhador, entrevistado pela rádio, aduziu que não havia como praticar o futebol a estas temperaturas. Que respeita a empresa de transmissão a cabo, mas que há de se pensar nos atletas. De uma vez por todas está na hora de o econômico pensar no humano. O humano não é meio, é fim em si mesmo. Não é peça para enriquecimento das elites. O atleta é o artista. É ele quem paga, com seu suor, os lucros das redes de televisão.
Voltando à questão central deste pedido, a dignidade do trabalhador e a saúde estão em primeiro lugar. Não há como exigir, considerando os níveis mínimos de tolerância do organismo humano, que pratiquem futebol acima dos trinta e cinco graus. Se fazer audiências na justiça do trabalho sem ar-condicionado é impossível, o que dirá jogar futebol a quarenta graus.
Registro que seria até razoável o deferimento de liminar impedindo a prática do futebol entre as 10h e as 19h, mas limito-me ao pedido.
Fundamento a decisão nos artigos 1o, III , 7o, XXII , da CF/88 e 176 a 178 da CLT .
Assim, defiro a liminar, em ação cautelar, impedido a ocorrência de partidas de futebol profissional no rio grande do sul, entenda-se séries “A” e “B”, campeonato gaúcho e campeonato gaúcho da série “B”, entre as 10h e as 18h , devendo as partidas iniciarem e terminarem fora destes horários, sob pena de multa diária de cento e cinqüenta mil reais por partida, sem prejuízo da multa de cinco mil reais por atleta, em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Intimem-se. Dê-se ciência ao Ministério Público do Trabalho. Expeça-se mandado urgente, pelo plantão, junto ao presidente da Federação Gaúcha de Futebol. Nada mais.”

POA, 04 de fevereiro de 2010.

Rafael da Silva Marques

Juiz do Trabalho

Ouça a declaração do Juiz Rafael Marques sobre o seu despacho:

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A decisão foi confirmada, também liminarmente, pela Desembargadora Maria Cristina Ferreira,  diante do Mandado de Segurança impetrado contra a decisão do Juiz Rafael Marques, conforme decisão abaixo reproduzida, também oriunda do site do TRT4.

“IMPTE: FEDERAÇÃO GAÚCHA DE FUTEBOL
IMPDO: ATO DO JUIZ DO TRABALHO DA 29ª VARA DO TRABALHO DE PORTO ALEGRE

Vistos, etc.

Trata-se de mandado de segurança impetrado contra o ato que, nos autos da ação cautelar n.0000112-94.2010.5.04.0029, deferiu a liminar requerida pelo ora litisconsorte, impedindo a ocorrência de partidas de futebol profissional no Rio Grande do Sul, no campeonato gaúcho das séries “A” e “B”, entre as 10h e as 18h. Argumenta a impetrante, em síntese, que a liminar foi concedida sem a sua oitiva, em desconformidade, portanto, com o disposto na Súmula n. 4 deste Tribunal. Diz que o magistrado decidiu com fundamento em declaração de atleta do Grêmio à emissora de rádio, na qual atribuía à alta temperatura o resultado adverso. Aduz que deve ser sopesado o contexto em que proferida a assertiva do atleta, qual seja, o resultado desfavorável diante de uma equipe dita “menor”, em que é curial os atletas elencarem elementos adversos em justificativas.  Alega que o exemplo trazido à baila na peça vestibular – um colapso que tornou paraplégica a maratonista Gabriele Andersen – trata-se de verdadeira exceção, que chegou ao extremo em face de sua desidratação, risco que afirma estar afastado pela hidratação dos atletas nos intervalos realizados no curso da partida. Discorre acerca dos problemas relacionados às atividades esportivas em altas temperaturas e as formas de evitá-los e diz já vir adotando medidas acautelatórias para permitir ao atleta reidratar-se, quais sejam, interrupções periódicas nos tempos regulamentares da partida. Invoca a existência de contrato de televisionamento firmado pelos clubes de futebol, sob sua representação, a envolver valores significativos a estes e que lhes servem de lastro para o pagamento dos contratos que firmam com os atletas. Salienta que a marcação das partidas se deu com a antecedência prevista no artigo 9º do Estatuto do Torcedor, e que são adotadas todas as medidas de segurança, entre as quais a dotação de ambulâncias e de enfermeiros-padrão nas praças esportivas. Assevera, ainda, que a medida liminar prejudicará sobremaneira os clubes e a satisfação dos salários dos atletas e demais funcionários, considerando que não irão receber os valores atinentes à verba de televisionamento. Requer seja liminarmente suspensa a decisão proferida nos autos da ação cautelar antes referida, e, em consequência, que seja permitida a realização dos jogos atinentes a 1ª e 2ª divisão do Campeonato Gaúcho de 2010, nas datas e horários já previstos na tabela que divulgada.

Examino.

São imprevisíveis as condições climáticas, é certo. De sorte que as altas temperaturas que assolaram o Estado nos últimos dias, razão de ser da medida deferida, podem sequer se repetir. Mas isso são conjecturas e não se pode exigir do magistrado que antes de proferir sua decisão consulte os institutos de meteorologia, a despeito da quase precisão matemática de seus prognósticos. O que há de certo e de domínio público é que o Estado se vê assolado por temperatura que há muito não se via (e quem neste Estado desconhece ou não se terá sensibilizado com o desfalecimento de conhecido comentarista, por conta deste mesmo calor?).

Nesse contexto, não se poderá relegar os atletas à expectativa de condições climáticas favoráveis que, frustradas, nada mais lhes reste do que aguardar o passar das horas nas tardes de um verão sem igual, enquanto anseiam por uma ou outra lufada de vento que lhes traga refrigério.

O direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho não é um sonho.  Ao contrário, está assegurado no artigo 7º, XXII, da CF.

Ainda que não se desconsiderem as consequências de ordem econômica que advirão do ato (e não se está aqui a fazer delas menoscabo) não são suficientes a flexibilizar a observância das normas de segurança do trabalho.

Há que se sopesar os bens jurídicos postos em confronto e, decidir, ao final, por aquele que reclama maior proteção. E neste confronto, extreme de dúvidas que o fiel da balança há de pender para o direito à integridade física dos atletas profissionais. E isso não apenas por estar a proteção ao empregado entre os deveres anexos de conduta do empregador (assentado na boa-fé objetiva, agora positivada no artigo 422 do Código Civil, mas desde antes utilizada pela doutrina e jurisprudência para interpretar as obrigações resultantes do contrato), mas também, e principalmente, porque a integridade física do trabalhador está entre os direitos fundamentais, integrando, não por acaso, os chamados direitos de primeira geração.

Assim, não reconheço nas alegações da impetrante a relevância de fundamentos, que o artigo 7, III, da Lei 12.016/09 estabelece como necessária ao deferimento do pedido liminar. Ausente tal requisito, desnecessário perquirir acerca da possibilidade de ineficácia da decisão, se conferida ao final, considerando que o citado artigo exige a presença concomitante de ambos os requisitos para a concessão da liminar.

Indefiro, pois, o pedido liminar.
Intime-se.
Após, encaminhe-se a regular distribuição.
Porto Alegre, 05 de fevereiro de 2010.
Em regime de plantão, às 21h40.

Des.ª Maria Cristina Schaan Ferreira
Relatora”

Ouça a declaração da Desembargadora sobre a sua decisão:

Os áudios são oriundos da Comunicação Social do TRT4.

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