Volta e meia algum pseudo-intelectual surge com a excelente idéia de extinguir a Justiça do Trabalho. Argumentos para tanto não faltam: emperra o desenvolvimento; atravanca o progresso; transforma o contrato de trabalho em um contrato de risco; não há mais emprego formal para que seja por ela apreciado, etc. É, sem dúvidas, uma idéia de grande apelo midiático. Suficiente para fazer com que um sem número de empresários e políticos inescrupulosos saltem para acolher e defendê-la. Cuida-se contudo de uma proposição falaciosa, cuja recorrência no cenário nacional somente se pode atribuir a uma cultura ainda com traços escravagistas e uma produção industrial voltada para o exterior.
A existência do Direito do Trabalho como disciplina autônoma da Ciência do Direito é bastante recente, oriunda das transformações que tiveram início na Revolução Industrial e que permanecem se operando nas relações de oferta e procura de mão-de-obra. Relações estas que necessitaram pronta regulamentação na medida em que se verificaram, em busca de uma maior lucratividade dos então empresários da época, abusos de toda a sorte como, por exemplo, a submissão de trabalhadores a jornadas extenuantes, trabalho de crianças e idosos e, inclusive, regimes de detenção dos trabalhadores no âmbito da empresa de modo a evitar que, pela sua ausência, a produção cessasse.
Neste quadro a intervenção estatal, estabelecendo jornadas máximas e disciplinando, para muito mais adiante proibir, o trabalho de crianças, assim como tomando outras medidas para coibir os abusos então identificados fez-se premente. Intervenção que prosseguiu através de novas regulamentações, destinadas não somente à proteção do trabalhador, mas do próprio mercado de trabalho. Haja vista que para o estabelecimento de um mercado saudável, mais do que produtores, necessitam-se consumidores. Neste sentido não é ocioso destacar a atitude de Ford ao majorar as remunerações de seus operários de forma que estes pudessem adquirir os produtos em cuja fabricação atuavam.
Com certeza que o Direito do Trabalho, por se cuidar de ciência humana, não é perfeito. Críticas se podem estabelecer acerca de seus regramentos assim como se estabelecem, exemplificativamente, acerca das disposições de Direito Penal que, nos tempos atuais tem recebido severos ataques, haja vista que se tem demonstrado incapaz de conter a crescente escalada de violência que assusta a população dos grandes centros.
Seus vícios, contudo, são infinitamente inferiores às suas virtudes. O papel de distribuição da renda, que é do Estado, não obstante a forte oposição das elites, não pode ser vilipendiado e o Direito do Trabalho tem um grande papel nisto.
Muitos dos direitos assegurados aos trabalhadores compõem um grande sistema do qual sobrevive o próprio mercado de consumo. Férias e repousos semanais são, respectivamente, essenciais para a manutenção de empresas de turismo de veraneio e de finais de semana, ao passo que a gratificação natalina é responsável pelo impressionante acréscimo de vendas no comércio que ocorre ao final do ano, injetando neste ramo uma verba considerável que, muitas vezes, compensa as operações negativas do restante do exercício.
Somente com trabalhadores bem e corretamente remunerados é possível o atingimento de metas concretas de crescimento mediante a criação de um mercado de consumo interno, principalmente em um momento como o atual, em que as exportações, devido ao dólar decrescente não se mostram mais viáveis.
Assim enquanto existir o Direito do Trabalho será necessária a manutenção da Justiça Especializada, sendo que a discussão acerca da extinção de um ou de outro para ser encetada é necessário que o seja de uma forma responsável, não apenas se levando em conta os interesses de uma minoria, cujo fito principal é locupletar-se pela sonegação de direitos legalmente assegurados.
Artigo publicado originalmente no Jornal O Sul de Porto Alegre, no dia 1o de abril de 2007, no Caderno Colunistas.