
Eu parei de me atualizar já há algum tempo sobre este famigerado projeto de lei. A última vez que postei algo foi apenas para fazer referência ao texto da Lu Monte, que continua atual e excelente.
Hoje cheguei um pouco atrasado no painel, mas o suficiente para ouvir o Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Fernando Neto Botelho, e o sociólogo Sérgio Amadeu, cada um falando por um lado, respectivamente a favor e contra a lei. Além disso também estavam presentes José Henrique Santos Portugal (representando o Senador Eduardo Azeredo) e Ronaldo Lemos, que é um professor da Fundação Getúlio Vargas e pelo que entendi seria “o cara” do assunto (ele também estava no painel sobre Direito e Internet).
O projeto envolve mais ou menos o seguinte, pelo que eu pude apreender da manifestação do desembargador: a tipificação de cerca de uma dezena de ilícitos penais, com a cominação de pena de reclusão, mas apenas para assustar os usuários, uma vez que eles, na sua maioria primários, seria processado, mas não seria condenado…
O sociólogo, por sua parte, criticou a literalidade da lei. Ou seja usou seu viés de leigo ao extremo, fazendo de conta que não é um estudioso no assunto, simplesmente para inflamar a massa de nerds e geeks, dizendo justamente o que eles queriam ouvir: que a lei é um absurdo.
Um povo que eu respeito profundamente em relação a leitura é o pessoal de TI. Eles, ao contrário de nós mortais, quando surge na tela um termo de condições de uso, TOS, EULA eles se debruçam e lêem mesmo. Prova disso é que em uma lista de discussão acerca de qualquer contrato do gênero eles dão de 10 a zero, descendo a minúcias, claro que originadas de outros profissionais do ramo, encarregados de as escrever.
No entanto na minha humilde opinião estão os dois amplamente equivocados. Os defensores da lei estão errados ao buscar que se emplaque mais uma norma ao nosso combalido sistema jurídico, prevendo penas de prisão, quando sabemos que ladrões e assassinos são soltos diariamente justamente em virtude da falência de nosso sistema prisional, incapaz de gerar vagas na mesma proporção em que aumenta o número de crimes (e criminosos) comum.
Por outro lado para que se criminalize um delito é necessário que ele traga à sociedade um verdadeiro clamor, do tipo que antes de ser considerado crime ele já receba a censura da sociedade.
Não é o que ocorre com os delitos que se pretendem penalizar. Pelo contrário muitas práticas que se pretendem penalizas são adotadas pela grande maioria dos presentes na Campus Party e desconhecidas pelo restante da população para o qual o computador é, quando muito, uma máquina de escrever sem papel.
Além do mais o nosso também combalido Judiciário, em especial o criminal, já se encontra assoberbado de serviço, sendo que em Direito Criminal o tempo atua em favor do criminoso, ou seja no caso de não se chegar a uma decisão em um determinado prazo este, ainda que culpado, se livra leve e solto de qualquer condenação.
Assim o juiz criminal vai ter que, além de suas centenas de casos de homicídios, roubos, crimes contra a liberdade sexual, etc. debruçar-se, também, sobre os crimes eletrônicos, nada obstante o próprio desembargador, desde já, admita que o que se pretende com a lei não é encarceirar os seus réus.
Mas e o sociólogo? O Sr. Sérgio Amadeu prega o anonimato. Invocando um regime de exceção como o da China prega que se admita que se atue anonimamente na Internet. Assim se permitiriam que crimes como, por exemplo, contra a liberdade sexual de criança, ou contra a honra permanecessem impunes, mediante uma liberdade de expressão além dos limites, em que o ofensor pode denegrir o ofendido, ocultando-se sob um manto de anonimato.
Veja-se que o anonimato que se permite, e até exige, em regimes de exceção, como os regimes autoritários da China, Cuba, mas também de subjugação como dos próprios países árabes, como o Iraque em face dos Estados Unidos, não se pode confundir com um anonimato interno, que se pode voltar contra os demais cidadãos. Até porque não se cogita que atue anonimamente em um regime democrático sem um propósito escuso (desta situação excluam-se pessoas que atuam com uma certa privacidade, com a Nospheratt ou a B., de A Vida Secreta, uma vez que embora desconhecidas da maioria elas são perfeitamente localizáveis e identificáveis para quem realmente necessite).
No mais achei desrespeitosa a ausência do Senador Azeredo. Não há justificativa para que um representante do povo deixe de comparecer para prestar a este os esclarecimentos sobre a sua atividade. Dificilmente o senador encontrará uma reunião com tantos interessados na sua atividade parlamentar quanto no CParty, e encará-los e ouvi-los, mais do que um ato de cortesia, seria a sua obrigação.
Não posso deixar de louvar a coragem do desembargador que, em face de uma platéia hostil, conseguiu defender o seu ponto de vista, o que lhe conduziu ao aplauso, embora tímido, dos presentes.
Ao representante do senador, coube receber o silencioso protesto dos campuseiros: durante a sua manifestação final muitos lhe viraram as costas.
Atualização: Release da Assessoria de Imprensa do CParty sobre o debate.
Pedro Nogueira comentou: Parabe9ns Marco, gsoeti bastante do discurso (e de como vocea se esquivou de falar como assistia os filmes legendados pela internet 🙂 ).Concordo com tudo o que vocea disse, e acho que iniciativas como essa, de empreendedores do mercado de tecnologia brasileiro poderem defender seu ponto de vista, bem vindas e necesse1rias pelos tempos que vire3o. Tem como baixar este discurso em algum lugar ?
comentou: Parabe9ns pelo discurso marco, a fanica coisa que eu cloacoria era que e9 importante buscar fontes mais estatedsticas de desenvolvimento ou algo mais gene9rico. Se3o argumentos sf3lidos mas se3o pontuais e muitas vezes infelizmente ne3o e9 pensando nos individuos que as leis se3o criadas, se3o criadas pensando no todo ente3o pra combater isso acho que estatedsticas e dados pesquisas mais gene9ricas podem ser mais poderosos =)De qualquer forma parabe9ns pela iniciativa e por ter abordado o tema te3o bem
Grande verdade, quase que uma logorréia legislativa, agora sobre a ausência do nobre senador é de se esperar, habituados já estamos com o descaso deles, resta melhorar nossa consciência no momento do sufrágio.
[…] Araújo, a Brazilian judge behind the Direito e Trabalho blog, criticizes [Pt] the intention to create new crimes for the already bulging Brazilian Penal Code: “Os […]
[…] Araújo, a Brazilian judge behind the Direito e Trabalho blog, criticizes [Pt] the intention to create new crimes for the already bulging Brazilian Penal Code: “Os […]
[…] um comentário ao post de Araújo, Raquel Recuero discute a questão da anonimidade e dos possíveis usos de toda a informação que se tornará […]
[…] a comment on Araújo's post, Raquel Recuero [Pt] discusses the issue of anonymity and the possible uses of all information that will be made […]
Boa, Jorge. Vejo muita gente levantando a bandeira do Sérgio Amadeu sem dar-se conta que ele é tão extremista e irrealista quanto o Azeredo – a única diferença entre eles é o pólo que ocupam. É muito bom ler um texto equilibrado como o seu!
@Lu Monte,
Obrigado Lu. Na verdade eu acho muito importante a opinião de pessoas alheias ao Direito e os sociólogos às vezes têm uma visão bastante mais crítica das coisas.
No entanto no caso deu para ver que ele estava era “jogando para a torcida”.
Caro Jorge.
Perdoe-me a ignorânica. Fiquei interessado; mas, de que trata esse Projeto de lei ?
Felicidades.
J.A.
Não pretendo me alongar nos comentários sobre esta iniciativa – que, pessoalmente, acho ridícula – mas somente apontar ao Sr. Sérgio Coutinho que seu ponto sobre a “facilidade de punir spam” está completamente equivocado. Assim como a débil iniciativa de bloquear o YouTube no caso Cicarelli, existem ferramentas para contornar tal invasão de privacidade: proxys, tunelamento SSH, o próprio TOR… não é nem mesmo necessário ser um expert em redes. É possível até mesmo que se encontrem os spammers mais inexperientes, mas estes são responsáveis por muito pouco do que chega às nossas caixas de email; spammer “que se preze” possui uma botnet com milhares de computadores inocentes enviando emails para si, e é virtualmente irrastreável pois encaminha seus comandos através de vários computadores espalhados ao redor do mundo.
Jorge, parabéns sempre pelo blog. Acompanho via rss diariamente.
Não acompanho as mudanças no PL Azeredo. Porém, sou a favor toda providência contra o anonimato. Seria mais fácil punir SPAM, por saber quem enviaria propaganda não-autorizada. Contudo, boa parte dos crimes descritos têm correspondentes off-line. Bastaria, talvez, ampliar as hipóteses previstas pelas leis já vigentes, em vez de matar mais hectares de Mata Atlântica com papel desnecessário. Concordo contigo sobre essa tolice brasileira de resolver todos os nossos problemas com mais e mais leis. Manter a unidade do sistema jurídico deixa de ser um desafio para se tornar um estorvo. Abraço!
Só para constar: o projeto de azeredo foi elaborado nos moldes da Convenção de Budapeste. Essa convenção é execrada pelo Itamaraty e por quase todos os países sérios do mundo. O referido pacto foi assinado e ratificado apenas por estes países: Albânia, Bósnia e Hezergovina, Bulgaria, Croácia, Chipre, Dinamarca, Estônia, França, Hungria, Lituânia, Noruega, Romênia, Slovenia, Iuguslavia e Ucrânia. Com exceção do Chipre, TODOS assinaram com restrições.
O Azeredo vem aprovando o projeto com base na bandeira do combate na pedofilia na internet, mas os lobbys das empresas distribuidoras de músicas e filmes na internet é que está impulsionando ele. Em resumo: baixar a sua musquinha pra tocar no seu Ipod vai ser concurso de crimes! Ha!
O projeto é um terror!
Caro Jorge,
Sempre leio teu blog, mas nunca comentei antes. Comecei a ler por recomendação da Gabriela Zago, ex-aluna e também estudante de Direito. Acho louvável a tua vontade de conhecer, falar e estar exposto publicamente na Internet, coisa que, bem sei (porque também sou formada em Direito, mas desisti da área) assustaria muitos juízes que conheço. Mais do que isso, acho excelente a quase ausência dos típicos jargões jurídicos, que assustariam a maior parte dos leitores leigos.
Bem, mas vim aqui para comentar o post. 🙂 O projeto do Azeredo é bastante complicado. Na minha opinião, melhorou depois de passar pelas comissões, mas ainda é problemático. O que considero complicado é aprovar uma lei capenga, que atinge a interesses econômicos específicos e que pode sim ser observada ipsis litteris por muitos juízes de direito. A minha – parca – experiência jurídica foi suficiente para escaldar muitos dos meus ideais. Sabemos que os juízes decidem, muitas vezes, contra a lei e outras tantas, observando-a nos mínimos detalhes. Sabemos que não há súmula vinculante (não acho que isso seja ruim). O que me assusta é que bodes expiatórios sejam condenados a penas duríssimas (reclusão) e que o devido processo legal que vá discutir a questão criminal vá levar seus 10 anos. Acho muito válido o teu argumento de que a sociedade não reconhece tais fatos como crime – o que é verdade. Por isso, os grupos interessados usam argumentos como “a lei é necessária para combater a pedofilia”, crime que a mídia joga luzes quando encontra alguém usando a Internet para perpetrá-lo.
A questão do anonimato, talvez, não tenha sido adequadamente colocada pelo Sérgio, que é um militante. 🙂 A lei prevê a obrigação dos provedores de registrar dados de navegação de todos os usuários. TODOS. Isso é, para mim, uma invasão de privacidade por presunção de que, ao navegar, estarei cometendo um crime. Dados esses que poderiam ser usados para outras coisas – penso, por exemplo, no valor publicitário de conhecer os hábitos de navegação das pessoas (eu detesto spam); nas investigações privadas de adultério (detetives); etc. etc.
Enfim, concordo com tudo o que colocastes, mas ainda posiciono-me contra a lei. (E fiz um comentário gigante para compensar a minha ausência. 🙂 Finalmente, fui tentar dizer olá na Campus Party, mas não te encontrei. )
Saudações
Olá Dr. Jorge!
Em primeiro lugar, quero lhe dar os parabéns pela brilhante vitória no Best Blogs Brazil 2009 pelo voto dos jurados (que, no final, foi o único que valeu mesmo). Nada como ver um bom trabalho coroado pelo seu merecimento e qualidade.
Quanto ao projeto; para mim ele já nasceu da simples vontade de aparecer de um político que nada conhece do meio e que apenas busca notoriedade. É cheio de falhas e de ranços autoritários e, mesmo tendo sido modificado várias vezes, ainda é péssimo.
Um abraço.
#CParty: Debate sobre a Lei Azeredo: CParty: Debate Lei Azeredo – Cybercrimes Eu parei de me atualizar já há alg.. http://tinyurl.com/aj96by
#cparty Saindo do forno post sobre o Debate da Lei Azeredo… http://tinyurl.com/aj96by
Excelente, Professor, excelente! Não tenho o que acrescer. De fato, é um “diálogo” que não faz jus ao termo, pois não se conversa: de um lado, representantes de uma classe; e representantes de outra postos como adversários. Mas não há inimigos numa batalha, como se faz parecer.
Minha opinião primeira é a de que a Lei atual já dá conta da Internet; mas, da forma como está o PL em tramitação, não há grandes problemas – o artigo de maior teor polêmico é aquele tratando da privacidade, mas obedece a regra vigente nas instituições bancárias, empresas telefônicas e órgãos fiscais (qual seja: registros são mantidos por tantos anos, e fornecidos para Juízes de Direito mediante Ordem em Devido Processo Legal).
Não é, pois, uma invasão.
Grande abraço!