Eu como cidadão também fiquei indignado com a proibição de um mero jogo eletrônico, determinando-se a proibição imediata de sua venda e apreensão, quando até a bem pouco se admitia, no Brasil, os famigerados Bingos, cuja ilicitude, decorrente de ligações com o crime organizado, e nocividade, pela submissão dos usuários ao vício eram patentes.
No entanto tenho lido tantas ofensas ao pobre colega, mero prolator de uma decisão, da qual não poderia se escusar, que resolvi dar uma “fuçada” mais profunda no conteúdo da decisão e, principalmente, no andamento do processo.
Para buscas de conteúdo jurídico eu mesmo desenvolvi um buscador, com a tecnologia Google, que já filtra os resultados para as páginas que no meu entender são mais confiáveis para tanto, é o Buscador Direito e Trabalho, que está à disposição dos leitores para eventuais pesquisas.
Com o auxílio deste instrumento pude chegar a páginas de conteúdo bastante interessante, que me permitiram trazer mais alguns elementos para discussão:
1. Afinal o que diz a sentença?
Toda esta discussão, na verdade, não tem sentido algum sem que se possa, sequer, ter conhecimento do conteúdo da decisão debatida.
É possível até que o que juiz tenha registrado na sua decisão não tenha o conteúdo que está sendo divulgado.
Eu próprio em mais de uma oportunidade já peguei notícias jornalísticas sobre fatos que havia presenciado e cujo conteúdo era totalmente distinto da realidade. Neste caso talvez a repercussão da notícia esteja sendo mais interessante do que o conteúdo da decisão.
Não há motivos para sonegar da população o que disse o magistrado que, afinal, está sendo tão injustamente atacado pelos milhares de consumidores de games.
Esta situação fica mais estranha quando lemos na página do UOL Jogos que o Procon teria colocado a sentença no ar, mas ao clicarmos no link correspondente deparamos com uma página vazia.
Não seria interessante informar à população os fundamentos das apreensões, antes mesmo de a fazer? Ou será que o conteúdo da sentença não teria, assim, tão expressamente determinado a apreensão e a proibição das vendas.
2. O juiz não foi, de forma alguma, apressado.
Pelo contrário. O processo tramita desde 2002, sendo que o Juiz indeferiu o pedido de antecipação de tutela, apresentado com a inicial, mediante o qual a proibição de comercialização poderia ter ocorrido já a contar de então.
Ademais foram ouvidas as partes envolvidas, lhes foi facultada a apresentação de provas, etc. tendo o juiz apenas decidido após esgotada toda a dilação probatória, ou seja, com as provas entendidas como adequadas para a decisão já todas nos autos.
3. Não se pode imputar ao Governo Federal a culpa pela proibição do jogo.
O processo todo, em verdade, tramita apenas entre órgãos federais. O Ministério Público Federal é o autor da ação e quem está no outro lado do processo é a Advocacia da União, uma vez que a demanda é contra a própria União por ter permitido a venda de tal produto.
Neste quadro igualmente não se pode imputar à empresa proprietária dos jogos a responsabilidade pela decisão, pois, ao menos pelo que se obtém da página da Justiça Federal (ao consultar insira o número do processo 2002.38.00.046529-6), não há qualquer indício de que esta tenha sido formalmente comunicada sequer da existência da ação.
4. A Eletronic Arts ainda não agiu.
Se é verdade que a Eletronic Arts ainda não havia sido cientificada da ação agora, mediante a apreensão das mídias, ela tem o dever para com os seus consumidores de o fazer.
Está sendo divulgada uma nota que é atribuída à empresa. No entanto esta nota não está reproduzida na página oficial da empresa no Brasil (desligue o som), o que compromete a verificação de sua autenticidade.
Um exemplo do que, talvez, tenha faltado dizer é que o game permite algum tipo de customização por terceiros e que a situação de conflito envolvendo as favelas do Rio não são originais do produto comercializado (o que no meu entender pouco influi em relação à sua comercialização no Brasil, pois um conflito em favela é apenas a reprodução da realidade que, no lugar de banalizá-la pode servir para conscientizar as autoridades ao incluí-la em um jogo).
5. O juiz tem o dever de julgar os casos que lhe são submetidos e para isso deve se ater exclusivamente ao conteúdo dos autos.
Não é correto atribuir ao Juiz, apenas por ser ele o emissor da determinação, a culpa pela proibição da comercialização do produto.
Como se pode constatar da página da Justiça Federal, que permite acompanhar o andamento do processo (ao consultar insira o número do processo 2002.38.00.046529-6), este tramita desde 2002, tendo sido oportunizado às partes, Ministério Público Federal e Advocacia da União, a produção de todos os meios de prova que lhe competiam.
Diante destes elementos, que podem não ter sido demonstrados da melhor forma, que podem ter sido apreendidos incorretamente, etc. O juiz teve que decidir.
Tanto poderia ter decidido de um jeito como de outro, mas não podia se omitir. Sabe-se lá que tipo de opiniões foram apresentados alegando que os jogos, de fato, prejudicam psicologicamente os indivíduos. Ou quais foram omitidas…
E a decisão não é definitiva. Dela cabe recurso, que pode, inclusive, invocar nulidades decorrentes de algum defeito no andamento do processo, como por exemplo, talvez, a notificação da empresa produtora dos jogos (se esta não ocorreu).
6. Nós também somos responsáveis.
Aos consumidores que se entendem prejudicados pela decisão judicial também competem ações que podem fazer a diferença.
Somos todos cidadãos e, como membros da sociedade civil, podemos constituir associações representativas, através das quais podemos ingressar no processo para, na condição de amicus curiae, apresentarmos nossas razões, fundamentos e, inclusive, provas, bastando para isso demonstrar o interesse, que, neste caso, é cabal.
Ou então estaremos sendo omissos, e a omissão não é compatível com ideais como a cidadania e a Democracia.
7. O que mais podemos fazer?
Francamente você quer fazer alguma coisa? Então porque não começa por informar os órgãos envolvidos na proibição que você discorda dela?
Envie um email ou uma carta para as autoridades e diga, de preferência em bom Português, que joga, conhece quem joga ou gostaria de jogar Counter Strike, mas que se sento tolhido no seu direito pela decisão do juiz.
Veja os meios de contato:
- Procon de Goiás. E-mail. Fone: (62) 3201-7100 – Atendimento Geral.
- Ouvidoria da 1ª Instância da Justiça Federal de Goiás. Endereço: Ouvidoria da Corregedoria-Geral da Justiça Federal da 1ª Instância, S.A.S – Bloco A, 1º andar – sala 01 – Ed. Sede – Praça dos Tribunais Superiores CEP: 70095-900 Brasília – DF Telefone: (61) 3314-5855.
- Ministério Público Federal. SAF Sul Quadra 4 Conjunto C – Brasília / DF – CEP 70050-900 – PABX: (61) 3031-5100.
Leia também sobre o assunto:
Atualização:
Conforme o comentário de Norberto Kawakami a página linkada para a consulta do processo não está exibindo o seu andamento. Portanto fiz uma retificação nos links pertinentes para orientar aqueles que querem consultar o processo. Para isso deve-se acessar a página da Justiça Federal e para consultar inserir o número do processo 2002.38.00.046529-6.
[BL]Counter-Strike, Wii, PS3, Games[/BL]
[…] análise de um outro ponto de vista deste processo é apresentado no blog Direito e Trabalho do Juiz Jorge Alberto Araújo. Através de seu texto foi possível verificar o andamento do […]
Jorge,
gostei de tua análise, entretanto os links que apontam para o processo não chegam a ele. Só chegam à página de consulta processual onde tenho que escolher em qual seção o processo se encontra…
Já faz algum tempo que procuro esse processo e não encontro…
abraço