Há inúmeras anedotas sobre clientes que se chocam ao ver seu advogado em atitude amistosa com o procurador da parte contrária, o promotor, ou mesmo o juiz.
De fato ao cidadão alheio às lides forenses, que comparece em juízo na condição de parte, talvez em uma única oportunidade de sua vida, pode parecer paradoxal que entre seu advogado e o da parte contrária, ou mesmo o juiz, exista uma relação sequer de cordialidade. Para o leigo os tribunais são praças de guerra e aqueles que ali se confrontam, sejam os litigantes, sejam seus representantes, devem se portar como inimigos.
Alguns advogados, inclusive, comungam desta idéia e tornam a audiência extremamente desagradável quer para a parte adversa, quer para o magistrado, suscitando incidentes manifestamente improcedentes, imbuídos do espírito de demonstrar ao seu cliente a “defesa intransigente” dos seus interesses.
Felizmente esta situação é cada vez mais rara. Formou-se uma nova escola de profissionais da advocacia, constituída por pessoas que sabem que a negociação é o melhor meio para se alcançar a pacificação. São advogados que não se subsumem a portar o diploma de bacharéis, mas que se atualizam, especializam, pesquisam e encontram alternativas para a solução de litígios, muitas vezes extrajudicialmente.
Não é mais somente no aumento de cargos ou de Tribunais do Poder Judiciário que se buscam os meios para a redução de processos, ou para redução da demora do processo. Também o advogado tem o interesse em que a demanda se solucione, pois sabe que é este o interesse da parte.
Comento isso em virtude de uma proposta que se noticia apresentada pela Federação Brasileira dos Bancos – FEBRABAN – de equipar e aparelhar o Judiciário em troca de parcerias visando uma certa “previsibilidade” das decisões judiciais e, de outra sorte, celeridade processual. Isso tudo após ter hospedado em um resort da Ilha de Comandatuba (BA) alguns ministros do STJ e 30 desembargadores de diversos Tribunais de Justiça.
A intenção parece excelente. Contudo a forma eleita: fazendo uso do seu poder econômico, um pouco indigesta. Nós mesmos já nos manifestamos, em alguns artigos, pela busca de uma certa previsibilidade das decisões judiciais. Não apenas as partes, mas, podemos afirmar, uma boa parcela dos juízes, igualmente se ressente de estabilidade das relações sociais e jurídicas, decorrente de uma leitura mais literal e menos romântica das normas.
O Poder Judiciário não precisa, no entanto, de auxílio financeiro para se modernizar. As iniciativas no setor se encontram bastante avançadas, através da utilização de tecnologia nacional e softwares livres, com certeza, brevemente, teremos já o processo eletrônico, que acelerará em muito a prestação jurisdicional.
O que se necessita são processos legítimos. Ou seja demandas em que os direitos debatidos decorram, efetivamente, de uma dúvida razoável de interpretação da norma aplicável por ambas as partes. Contudo, em especial na nossa área de especialização, o que se verificam são demandas em que se utilizam figuras jurídicas manifestamente distorcidas com o intuito de sonegar direitos. Vejam-se o exemplo das próprias instituições bancárias nas quais a quase totalidade dos empregados são considerados “cargos de confiança” para terem exigida jornada de oito, no lugar de seis horas, e nas quais diversas atividades, inerentes ao seu funcionamento, como por exemplo compensação bancária, são terceirizados, igualmente visando o pagamento de salário inferiores, sem falar na exigência de jornada superior.
Nada obstante, as demandas aforadas tendo-se estas duas situações como causa de pedir são estendidas pelas suas defesas até as instâncias extraordinárias, em nítido prejuízo ao que agora pretendem a título de celeridade ou segurança jurídica.
Aliás como se invocar segurança jurídica se as próprias instituições bancárias violaram, até a sua revogação, a norma constitucional expressa que limitava os juros a 12% ao ano e, de forma igualmente afrontosa, se opuseram à aplicação do Código do Consumidor às relação com seus clientes, sendo que mesmo agora, após esta estar consagrada pela Corte Constitucional, continuam aplicando práticas consideradas abusiva, como, por exemplo, a chamada “venda casada” em que para se conceder determinada espécie de financiamento se subordina o cliente à aquisição de outros produtos, via de regra conta-corrente ou seguros.
Se há sinceridade por parte dos bancos em promover o desenvolvimento do Poder Judiciário, certamente meios há que o façam sem que se comprometa a sua independência e imparcialidade.
Não é que não se possa tirar a mulher de César para dançar, apenas se recomenda que a dança não seja lambada.
[*] Publicado originalmente na Folha do Nordeste de 22 de setembro de 2006 e no sítio Espaço Vital.