Artigo do colega e amigo, Eduardo Duarte Elyseu, sobre o caso da disponibilidade compulsória do juiz que se recusou a aplicar a Lei Maria da Penha. Ainda pretendo postar a minha opinião sobre o assunto, mas as reflexões são mais que oportunas. Comentários são bem vindos.
Leio hoje – não exatamente com surpresa, porque o resultado já se anunciava de véspera – a seguinte notícia:
“CNJ afasta juiz acusado de preconceito contra mulher
Sentença contém declarações tidas como discriminatórias
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, nesta terça-feira (9/11) por nove votos a seis, a disponibilidade compulsória do juiz Edilson Rodrigues, da Comarca de Sete Lagoas (MG).
Segundo informa a assessoria de imprensa do CNJ, em 2007, ao proferir sentença em processo que tratava de violência contra a mulher, o magistrado utilizou declarações discriminatórias de gênero, afirmando, por exemplo, que “o mundo é masculino e assim deve permanecer”.
Além da sentença, o magistrado também manifestou a mesma posição em seu blog na internet e em entrevistas à imprensa.
Além dos nove conselheiros que decidiram pela disponibilidade, os outros seis votaram pela censura ao magistrado e pela realização de teste para aferir sua sanidade mental.
A disponibilidade havia sido proposta no voto do relator do Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) 0005370-72.2009.2.00.0000, conselheiro Marcelo Neves, para quem esse tipo de conduta é incompatível com o exercício da magistratura.
A decisão do CNJ, passível de recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF), determina que o juiz de Sete Lagoas fique afastado do exercício da função por dois anos. Durante esse período ele receberá salário proporcional ao tempo de serviço. Após os dois anos poderá solicitar ao CNJ o retorno à magistratura.”
(Blog do Frederico Vasconcelos – http://blogdofred.folha.blog.uol.com.br – 09.11.10).
A mesma notícia circula em diversos meios de comunicação desde a tarde desta terça-feira (09.10.10), com títulos que, com algumas variantes, podem ser assim resumidos: “Juiz Machista é Afastado da Função pelo CNJ”.
O fato, aos olhos de qualquer um do povo – aí incluídos, também, muitos colegas magistrados –, aparentemente é tido como algo a ser comemorado.
Afinal, segundo o senso comum, que permeou o voto do Conselheiro Relator, Marcelo Neves, e que pode ser resumido na manifestação do Ministro Vice-Presidente do CNJ, Carlos Ayres Britto, durante o julgamento, “A visão que o magistrado em causa tem da mulher entra em mortal rota de colisão com a Constituição. O juiz decidiu de costas para a Constituição. A mulher é obra prima da criação. Acho que Deus só chegou à compreensão que era Deus quando chegou ao molde da primeira mulher”, afirmou o presidente em exercício do CNJ, Carlos Ayres Britto”.
A questão, vista assim, de forma simplista, poderia, de fato, levar à conclusão de que se trata apenas de uma medida moralizadora adotada pelo CNJ, ao afastar da jurisdição magistrado que, por ter revelado viés claramente machista e, mesmo, preconceituoso, ao deixar de aplicar – por considerá-la inconstitucional – a chamada Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), demonstrou, pelos fundamentos utilizados, conduta pretensamente “incompatível com o exercício da magistratura”.
Ouso dizer, todavia, a despeito do aparente consenso midiático que se estabeleceu sobre o caso, que a questão é bem menos singela do que parece, e que se está, isto sim, diante de um grave atentado às garantias constitucionais da independência judicial e do livre convencimento fundamentado, insculpidas no art. 93, IX, da Constituição Federal, que, a consolidar-se como precedente, poderá dar ensejo a diversas outras punições de magistrados por delitos de opinião, seja sob o falso pretexto do “excesso de linguagem” (que, como demonstrarei adiante, não comporta punição, por absoluta ausência de previsão legal de penalidade específica), seja sob a igualmente falsa premissa da prática de “conduta incompatível com o exercício da magistratura”, conceito propositadamente aberto e genérico inserido na LOMAN, e que, à falta de previsão legal específica que se amolde a determinados casos concretos, serve de “guarda-chuva” aos insquisidores de ocasião – sejam as Corregedorias dos Tribunais, seja, no caso, o CNJ –, sempre que há decisão política de punir determinado magistrado, ou por simples injunções políticas locais, ou para aplacar um pretenso “clamor popular” (e este é um caso típico) e não se encontra um fundamento plausível na LOMAN ou na Constituição Federal para fazê-lo.
Ao contrário de muitos que estão por aí a comentar a decisão do CNJ, tida por alguns comos “histórica” ou “rara”, dei-me ao trabalho de ler, à época (em 2007) a sentença do magistrado punido que deu ensejo ao Processo Administrativo Disciplinar que culminou com a punição aplicada pelo CNJ.
Não resta dúvida de que, ao fundamentar a decisão que concluiu pela inconstitucionalidade de alguns dos dispositivos da Lei 11.340/06 – em especial aqueles que dispõem sobre medidas protetivas diferenciadas para as mulheres em casos de violência doméstica – o magistrado em questão demonstrou um viés conservador e machista, além de uma visão sobre o papel da mulher na família e na sociedade que remete ao Século XVIII, e quero deixar claro, desde logo, antes que o patrulhamento “do bem” da turma do politicamente correto caia de pau em cima de mim, que discordo frontalmente da opinião manifestada pelo indigitado magistrado na sua decisão quanto ao papel da mulher na sociedade atual, e quem me conhece sabe disso, embora tenda a concordar com ele quanto a alguns aspectos técnicos por ele levantados que levam à conclusão de que ao menos em parte, a Lei Maria da Penha é inconstitucional.
Mas não quero desviar o foco. Cada um é livre para concordar ou discordar de determinada decisão judicial ou de seus fundamentos e, mesmo, criticá-los – não raro, aliás, decisões minhas são reformadas ou mantidas pelo Tribunal, mas por fundamento diverso do que adotei. Isso é independência judicial –, e para os diretamente afetados pelos efeitos da decisão judicial há recursos previstos na legislação processual.
A questão que se coloca é: Por mais que discordemos ou mesmo deploremos determinada decisão judicial, é justo, legal e constitucional que o seu prolator seja punido administrativamente (abstraídas, obviamente, as hipóteses legais de dolo, fraude, colusão, corrupção ou outras infrações éticas das quais, no caso em tela, não se tem notícia) em decorrência exclusivamente do teor de opinião pessoal manifestada em tal decisão?
Para mim, ao menos, a única resposta plausível é um rotundo não!
No caso em tela há que se historiar os fatos para melhor compreendê-los:
1 – O Juiz em questão atua na Comarca de Sete Lagoas – MG, onde proferiu diversas decisões em pedidos de medidas protetivas fundamentadas na Lei Maria da Penha, por vezes indeferindo-as, sob o fundamento de que a lei era inconstitucional e de que o caso concreto não justificava a medida pleiteada, e, em outras, a despeito de declarar a inconstitucionalidade da lei quanto ao aspecto, deferiu medidas com o mesmo efeito – quando o caso justificava – com base na legislação já existente.
2 – Em face das expressões polêmicas – para não dizer machistas – utilizadas pelo magistrado para fundamentar as suas decisões – supostos “movimentos sociais” (sempre eles) “denunciaram” o fato à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, que, prontamente, promoveu representação disciplinar perante a Corregedoria Getal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
3 – A Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça de Minas gerais, decidindo a representação, entendeu por arquivá-la, com esteio no art. 41 da LOMAN, ou seja, sob o fundamento de que o juiz não pode ser punido ou prejudicado pelo teor das decisões que proferir.
4 – Não conformada com a decisão, a “patrulha do bem” promoveu um espetáculo midiático e prometeu levar o caso ao CNJ.
5 – O CNJ, de ofício (e aparentemente sem nenhum outro motivo que não fosse a repercussão midiática dos fatos), instaurou Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) contra o referido magistrado, por causa de expressões (embora polêmicas) utilizadas em uma regular sentença, ato de lídima prestação jurisdicional, que, por incrível que pareça, resultou em aplicação de penalidade de disponibilidade remunerada com proventos proporcionais ao tempo de serviço ao referido juiz, pelo prazo de dois anos, sendo que nenhum dos conselheiros sequer cogitou de absolver o magistrado com base na simples aplicação do art. 41 da LOMAN e no art. 93, IX, da Constituição Federal. A única cizânia ocorrida (decidida por 9 votos a 6) foi se o juiz seria punido com uma “simples” censura e obrigado a submeter-se a exame de sanidade mental ou se, como foi a decisão que prevaleceu, seria posto em disponibilidade remunerada.
Assim resumidos os fatos, tenho que a instauração de PAD (pelo CNJ) constrange e afronta a liberdade de convicção dos magistrados, além de invadir a seara jurisdicional das suas atribuições, ainda que, como já advertiu o Ministro Marco Aurélio, do STF, aquele órgão (o CNJ) somente tenha autorização constitucional para atuar na seara administrativa.
Como se posiciona, então, o CNJ, perante a garantia constitucional da INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL da magistratura, no julgamento das causas que forem submetidas à sua apreciação?
O recado que o CNJ manda para os magistrados, por meio da hoje festejada decisão é o de que, daqui para frente, os juízes devem “ter medo” de decidir (leia-se fundamentar decisões que declaram inconstitucionalidade material) e “policiar”, eles próprios, as opiniões (embora duras ou firmes) que tiverem que expressar na fundamentação das suas decisões?
E, a propósito, é de se questionar quem inventou a “brilhante” tese de que a Lei Maria da Penha, em si, é “sujeito de direitos”, cuja constitucionalidade não possa ser criticada por um juiz, seja em uma sentença judicial, seja, numa obra doutrinária, ou mesmo em entrevista concedida aos meios de comunicação?
Nesta senda, também não tenho qualquer dúvida de que a pretensão – incrivelmente acolhida pelo CNJ – de ver o magistrado mencionado punido em razão unicamente de expressões utilizadas na sentença se reputa “desrespeitosas” ao gênero feminino e à indigitada Lei Maria da Penha encontra óbice intransponível no disposto no art. 36, III, da LOMAN, dispositivo que, ao vedar a possibilidade de manifestação pública do magistrado sobre processo em relação ao qual deva proferir decisão, expressamente ressalva a possibilidade de exercício, pelo juiz, do direito à “crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistrado”.
Não bastasse isso, a decisão proferida pelo CNJ no caso em apreço também afronta a literalidade do disposto no art. 41 da LOMAN, segundo o qual “Salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem, o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir”.
E nem se venha cogitar de impropriedade ou excesso de linguagem nas expressões e críticas lançadas pelo magistrado punido nas suas decisões – ainda que, repita-se, eu, pessoalmente, delas discorde veementemente –, pois, consoante já decidido pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, “A crítica do Juiz, ainda que veemente e candente, não pode ser considerada como excesso de linguagem quando não tem o animus de ofender” (Queixa Crime nº 501-1/DF, Rel. Min Celso de Mello, querelado Edson Vidigal), decisão citada no Voto da Desembargadora Federal do TRF da 4ª Região Marga Inge Barth Tessler, proferido nos autos da Apelação Cível nº 96.04.64779/RS (Apelante: José Felipe Ledur/Apelado: União Federal), decisão publicada na Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região nº 35, págs. 308/313, a qual, aliás, restou assim ementada:
“DIREITO ADMINISTRATIVO. MAGISTRADO. PROCESSO DISCIPLINAR. APLICAÇÃO DA PENA DE ADVERTÊNCIA (ARTIGO 43 DA LOMAN) PELA PRÁTICA DE EXCESSO DE LINGUAGEM (ARTIGO 41). IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.”
Não há respaldo legal para a aplicação da pena de advertência, prevista no art. 43 da LOMAN, pela prática de excesso de linguagem (art. 41), razão pela qual, conclui-se pela nulidade da sanção imposta ao apelante, uma vez que a LOMAN não estabeleceu pena para o excesso de linguagem, sendo vedada a aplicação de penalidade prevista para outros atos, pois tal prática importaria em flagrante violação ao princípio constitucional da legalidade”.
Como se infere da decisão transcrita acima, pretenso “excesso de linguagem”, ainda que tivesse restado caracterizado pela contundência das opiniões manifestadas pelo magistrado punido nas decisões por ele proferidas (o que por si só é discutível, já que não há tipificação legal do que seja “impropriedade ou excesso de linguagem”), jamais poderia ser apenado, nem mesmo com “simples” advertência (pena administrativa mínima prevista na LOMAN), sob pena de afronta ao princípio constitucional do nullum crimen, nulla poena sine lege, expresso no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, na medida em que a LOMAN não prevê penalidade específica para o tal “excesso de linguagem”.
Então o que quis dizer o legislador, no art. 41 da LOMAN, ao excepcionar da regra geral por ele estabelecida – de que o magistrado não será punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir – as hipóteses de “impropiedade ou excesso de linguagem”? Ora, quis ele excluir daquela garantia o magistrado que utiliza o seu ofício para, com dolo e ânimo de injuriar, praticar crime contra a honra, previsto no Código Penal, o que quer dizer que se o juiz agir com dolo de caluniar, difamar ou injuriar no exercício do seu ofício, poderá ser responsabilizado, na forma da lei penal, não podendo invocar em sua defesa a garantia da inviolabilidade funcional, mas não caracterizadas estas hipóteses (de crimes contra a honra), como ocorre no caso, também não pode ser punido administrativamente pelo pretenso “excesso de linguagem”, porque a LOMAN não prevê penalidade específica para tal excesso.
Neste sentido, aliás, é a atual iterativa e notória jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca da matéria – que o CNJ parece ignorar solenemente – e que resta muito bem retratada no excerto a seguir transcrito:
“QUEIXA-CRIME – DELITOS CONTRA A HONRA SUPOSTAMENTE COMETIDOS POR MAGISTRADOS NO JULGAMENTO DA CAUSA – INOCORRÊNCIA – EXERCÍCIO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL – IMUNIDADE FUNCIONAL DOS MAGISTRADOS (CP, ART. 142, III, E LOMAN, ART. 41) – ATIPICIDADE PENAL DA CONDUTA – DISCURSO JUDICIÁRIO COMPATÍVEL COM O OBJETO DO LITÍGIO E QUE GUARDA, COM ESTE, INDISSOCIÁVEL NEXO DE CAUSALIDADE E DE PERTINÊNCIA – AUSÊNCIA, AINDA, DO “ANIMUS INJURIANDI VEL DIFFAMANDI” – INADMISSIBILIDADE DA PRETENDIDA PERSECUÇÃO PENAL – CONSEQÜENTE EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO PENAL – O Magistrado é inviolável pelas opiniões que expressar ou pelo conteúdo das decisões que proferir, não podendo ser punido nem prejudicado em razão de tais pronunciamentos. É necessário, contudo, que esse discurso judiciário, manifestado no julgamento da causa, seja compatível com o “usus fori” e que, desprovido de intuito ofensivo, guarde, ainda, com o objeto do litígio, indissociável nexo de causalidade e de pertinência. Doutrina. Precedentes. A “ratio” subjacente à norma inscrita no art. 41 da LOMAN decorre da necessidade de proteger os magistrados no desempenho de sua atividade funcional, assegurando-lhes condições para o exercício independente da jurisdição. É que a independência judicial constitui exigência política destinada a conferir, ao magistrado, plena liberdade decisória no julgamento das causas a ele submetidas, em ordem a permitirlhe o desempenho autônomo do “officium judicis”, sem o temor de sofrer, por efeito de sua prática profissional, abusivas instaurações de procedimentos penais ou civis. A independência judicial – Que tem, no art. 41 da LOMAN, um de seus instrumentos de proteção – Traduz, no Estado democrático de direito, condição indispensável à preservação das liberdades fundamentais, pois, sem juízes independentes, não há sociedades nem instituições livres.” (STF – QO-INQ 2.699-9 – Rel. Min. Celso de Mello – DJe 08.05.2009 – p. 36)
E nem se argumente que a necessidade de tipificação legal da conduta punível e da pena prevista para tal conduta seriam pertinentes apenas ao processo penal, não sendo aplicáveis ao processo administrativo disciplinar, pois é posição unânime na doutrina moderna que o processo administrativo disciplinar, dada a sua natureza persecutória – já que, à semelhança do processo penal, visa à apuração de fatos com vistas à aplicação de penalidade, ainda que de caráter administrativo – está sujeito inexoravelmente aos ditames do art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, mormente porque a penalidade administrativa, muitas vezes, tem conseqüências práticas mais gravosas para o apenado do que a pena criminal.
Neste sentido, Fábio Medina Osório, representando esta corrente doutrinária moderna, sustenta a necessidade da aplicação da teoria da tipicidade no direito administrativo: “Sem embargo, a teoria da tipicidade é um fenômeno peculiar ao direito, sem uma necessária vinculação com a idéia de tipos penais. Daí porque, naturalmente, os tipos entram no campo administrativo, desempenhando determinadas funções. (…) O princípio da tipicidade das infrações administrativas, decorre genericamente, do princípio da legalidade, vale dizer, da garantia de que ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’ (art. 5º, II, da CF/1988), sendo que a Administração Pública, ademais, está submetida a exigência de legalidade administrativa (art. 37, caput, CF/1988), o que implica necessária tipicidade permissiva para elaborar modelos de contas proibidas e sancioná-los. Além disso, a garantia de que as infrações estejam previamente tipificadas em normas sancionadoras integra, por certo, o devido processo legal da atividade sancionatória do Estado (art. 5º, LIV, CF/1988), visto que sem a tipificação do comportamento proibido resulta violada a segurança jurídica da pessoa humana, que se expõe ao risco de proibições arbitrárias e dissonantes dos comandos legais”(OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador, São Paulo: RT, 2005. p. 207-208).
Na mesma linha, outro reconhecido administrativista brasileiro, Romeu Felipe Bacellar Filho, examinando o texto da Constituição Federal de 1988, também conclui pela inadmissibilidade da possibilidade jurídica da atipicidade da infração no âmbito disciplinar ao afirmar: “A Constituição de 1988 não se compatibiliza com afirmações do tipo ‘no Direito Administrativo Disciplinar admite-se a atipicidade da infração e a ampla discricionariedade na aplicação da sanção, que é renunciável pela Administração, possibilidades inconcebíveis em Direito Penal’. Afinal, o princípio da reserva legal absoluta em matéria penal (5º, XXXIX, da Constituição Federal) – nullum crimen, nulla poena sine lege – estende-se ao direito administrativo sancionar” (BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 173-174).
Portanto, no caso em exame, não havendo ânimo de injuriar – até porque, como qualquer um o sabe, o crime de injúria pressupõe a existência de um sujeito determinado, que dele seja a vítima, constituindo rematado absurdo pressupor que o “gênero feminino” ou a chamada “Lei Maria da Penha” possam ser consideradas “vítimas”, para fins de caracterização da injúria –, e não tendo sido dirigida pelo juiz qualquer afirmativa injuriosa contra as partes envolvidas diretamente no processo em que foi proferida a sentença, por óbvio não há cogitar de ânimo de ofender por parte do magistrado punido.
Em suma, não pode ele ser punido na esfera criminal, porque não praticou crime, e tampouco na esfera administrativa, porque para a conduta a ele atribuída não está prevista penalidade específica na LOMAN.
Outro aspecto que salta aos olhos de qualquer observador atento é a exorbitância, por parte do CNJ, das suas atribuições constitucionais em matéria disciplinar – e o caso particular em comento não é o único –, dado o fato de que a sua competência nesta matéria, como assentado na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal Fedaral, é eminentemente subsidiária em relação à das Corregedorias dos Tribunais, aos quais cabe originária e primordialmente, por força da Constituição Federal e da LOMAN, a tarefa de, quando for o caso, impor penalidades aos magistrados a eles vinculados.
A atuação do CNJ em matéria disciplinar somente se legitima em casos excepcionais, nos quais o Tribunal que tem a prerrogativa de efetuar a persecução e eventual punição ou absolvição, ao final do regular processo administrativo, deixa injustificadamente de promover ou dar andamento a este processo, por razões anômalas, como “inércia, simulação investigatória, procrastinação indevida e/ou de incapacidade de atuação”, fato bem ressaltado recentemente pelo próprio Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da Medida Cautelar em Mandado de Segurança 28.801 – Distrito Federal (Relator Ministro Celso de Mello – Impte.(s): Antonio Horácio Da Silva Neto – Impdo.(a/s): Relator do PAD nº 200910000019225 do Conselho Nacional de Justiça – J. 02 de agosto de 2010), em judiciosa decisão monocrática assim ementada:
“EMENTA: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. JURISDIÇÃO CENSÓRIA. APURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR DE MAGISTRADOS. LEGITIMIDADE DA IMPOSIÇÃO, A ELES, DE SANÇÕES DE ÍNDOLE ADMINISTRATIVA. A RESPONSABILIDADE DOS JUÍZES: UMA EXPRESSÃO DO POSTULADO REPUBLICANO. CARÁTER NACIONAL DO PODER JUDICIÁRIO. AUTOGOVERNO DA MAGISTRATURA: GARANTIA CONSTITUCIONAL DE CARÁTER OBJETIVO. EXERCÍCIO PRIORITÁRIO, PELOS TRIBUNAIS EM GERAL, DO PODER DISCIPLINAR QUANTO AOS SEUS MEMBROS E AOS JUÍZES A ELES VINCULADOS. A QUESTÃO DAS DELICADAS RELAÇÕES ENTRE A AUTONOMIA CONSTITUCIONAL DOS
TRIBUNAIS E A JURISDIÇÃO CENSÓRIA OUTORGADA AO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. EXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO DE TENSÃO DIALÉTICAENTRE A PRETENSÃO DE AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS E O PODER DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA NA ESTRUTURA CENTRAL DO APARELHO JUDICIÁRIO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE COMO REQUISITO LEGITIMADOR DO EXERCÍCIO, PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, DE UMA COMPETÊNCIA COMPLEMENTAR EM MATÉRIA CORRECIONAL, DISCIPLINAR E ADMINISTRATIVA. PAPEL RELEVANTE, NESSE CONTEXTO, PORQUE HARMONIZADOR DE PRERROGATIVAS ANTAGÔNICAS, DESEMPENHADO PELA CLÁUSULA DE SUBSIDIARIEDADE. COMPETÊNCIA DISCIPLINAR E PODER DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: EXERCÍCIO, PELO CNJ, QUE PRESSUPÕE, PARA LEGITIMAR-SE, A OCORRÊNCIA DE SITUAÇÕES ANÔMALAS E EXCEPCIONAIS REGISTRADAS NO ÂMBITO DOS TRIBUNAIS EM GERAL (HIPÓTESES DE INÉRCIA, DE SIMULAÇÃO INVESTIGATÓRIA, DE PROCRASTINAÇÃO INDEVIDA E/OU DEINCAPACIDADE DE ATUAÇÃO). PRESENÇA CUMULATIVA, NA ESPÉCIE, DOS REQUISITOS CONFIGURADORES DA PLAUSIBILIDADE JURÍDICA E DO “PERICULUM IN MORA”. SUSPENSÃO CAUTELAR DA EFICÁCIA DA PUNIÇÃO IMPOSTA PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, CONSISTENTE EM APOSENTADORIA COMPULSÓRIA DO MAGISTRADO, POR INTERESSE PÚBLICO (CF, ART. 93, VIII, c/c O ART. 103-B, § 4º, III). MEDIDA LIMINAR DEFERIDA” (grifos inexistentes no original).
Vale transcrever, a bem de ilustrar o que se disse, quanto à exorbitância, por parte do CNJ, dos limites da sua competência em matéria disciplinar, no caso que ora se discute e em outros semelhantes, o seguinte excerto dos fundamentos da decisão cuja ementa restou transcrita acima, pela inigualável propriedade e profundidade com que tratou do tema – no caso, os limites e pressupostos para a excepcional atuação do CNJ em matéria correicional e disciplinar, que deve se dar sempre de forma subsidiária e sem prejuízo da atividade censória dos Tribunais:
[…]
“Não obstante a dimensão nacional em que se projeta o modelo judiciário vigente em nosso País, não se pode deixar de reconhecer que os corpos judiciários locais, por qualificarem-se como coletividades autônomas institucionalizadas, possuem um núcleo de autogoverno que lhes é próprio e que, por isso mesmo, constituiexpressão de legítima autonomia que deve ser ordinariamente preservada, porque, ainda que admissível, é sempreextraordinária a possibilidade de interferência, neles, de organismos posicionados na estrutura central do Poder Judiciário nacional. É por tal motivo que se pode afirmar que o postulado da subsidiariedade representa, nesse contexto, um fator de harmonização e de equilíbrio entre situações que, por exprimirem estados de polaridade conflitante (pretensão de autonomia em contraste com tendência centralizadora), poderão dar causa a grave tensãodialética, tão desgastante quão igualmente lesiva para os sujeitos e órgãos em relação de frontal antagonismo.
Em uma palavra: a subsidiariedade, enquanto síntese de um processo dialético representado por diferenças e tensões existentes entre elementos contrastantes, constituiria, sob tal perspectiva, cláusula imanente ao próprio modelo constitucional positivado em nosso sistema normativo, apta a propiciar solução de harmonioso convívioentre o autogoverno da Magistratura e o poder de controle e fiscalização outorgado ao Conselho Nacional de Justiça.
Disso resulta que o exercício, pelo Conselho Nacional de Justiça, da competência disciplinar que lhe foi atribuída dependeria, para legitimar-se, da estrita observância do postulado da subsidiariedade, de tal modo que a atuação desse órgão devesse sempre supor, dentre outras situações anômalas, (a) a inércia dos Tribunais na adoção de medidas de índole administrativo-disciplinar, (b) a simulação investigatória, (c) a indevida procrastinação na prática dos atos de fiscalização e controle ou (d) a incapacidade de promover, com independência, procedimentos administrativos destinados a tornar efetiva a responsabilidade funcional dos magistrados.
Isso significaria que o desempenho da atividade fiscalizadora (e eventualmente punitiva) do Conselho Nacional de Justiça deveria ocorrer somente nos casos em que os Tribunais – havendo tido a possibilidade de exercerem, eles próprios, a competência disciplinar e correcional de que se acham ordinariamente investidos –deixassem de fazê-lo (inércia) ou pretextassem fazê-lo (simulação) ou demonstrassem incapacidade de fazê-lo (falta de independência) ou, ainda, dentre outros comportamentos evasivos, protelassem, sem justa causa, o seu exercício (procrastinação indevida).
Dessa maneira, a incidência do postulado da subsidiariedade, como requisito legitimador da prática concreta, pelo Conselho Nacional de Justiça, de uma competência complementar em matéria correcional, disciplinar e/ouadministrativa, não só harmonizaria o exercício dessa jurisdição censória com o princípio da autonomia institucional dos Tribunais, como conferiria, também, maior coeficiente de legitimidade jurídica à atuação desse órgão estatal, propiciando-se, desse modo, nos termos da abordagem ora preconizada, a análise do tema sob a perspectiva dos múltiplos valores constitucionais envolvidos.
Vale rememorar, neste ponto, ante a relevância de suas observações, a advertência feita pelo eminente Ministro GILMAR MENDES, quando inquirido, em audiência pública, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, sobre a necessidade de o Conselho Nacional de Justiça observar o princípio da subsidiariedade (para, em assim procedendo, respeitar a prerrogativa constitucional da autonomia dos Tribunais)antes de adotar, no desempenho da competência que lhe foi atribuída, qualquer medida de índole disciplinar ou de natureza administrativa contra magistrados e órgãos judiciários em geral:
“E aqui eu tenho, então, Sr. Presidente, uma preocupação. Já foi objeto, inclusive, de consideração,quando presidi, eventualmente, o Conselho Nacional de Justiça numa ausência eventual da Ministra Ellen.Eu advertia, os colegas do Conselho, que talvez um órgão como este, que tem que supervisionar, que tem que planejar a ação do judiciário em termos gerais, nacionais, universais, ele devesse se pautar pelo princípio da subsidiariedade (…), o Conselho não poderia receber toda e qualquer reclamação. Para isso, há os setores adequados dos juízes nos tribunais, os órgãos correcionais, inclusive. É preciso que se enfatize essa idéia. Que o Conselho cumpra sua função de zelar pela efetiva prestação jurisdicional, pela coordenação destaprestação jurisdicional, pelo planejamento dessas atividades, mas que ele não se embaralhe com a atividade dos casos repetidos, dos casuísmos que se repetem e que são desafiadores. E que o desafiam exatamente porque no grau de insatisfação revelado muitas vezes nós temos também as manifestações, as reproduções de demandas ele acaba se tornando este grande muro de lamentações. Eu me lembro que, na Sessão que eu presidi no Conselho, se discutia, para que os senhores tenham um exemplo bem claro, se discutia se era correta a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo de desativar o júri que atuava em Santo Amaro. Uma decisão comezinha afeita ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Diz com a sua autonomia. Pois a matéria chegou ao Conselho, e pasmem os senhores, depois da votação quase conclusa, havia empate. Metade dos conselheiros entendia que o Conselho deveria intervir em São Paulo e sustar aquela decisão tomada peloTribunal de Justiça de São Paulo. E a outra metade entendia que, neste caso, a matéria era da competência do Tribunal de Justiça de São Paulo. Coube-me, então, desempatar. E eu disse: Se nós continuarmos nesse ritmo, se nós continuarmos a pautar o trabalho do Conselho por esta filosofia, nós vamos fazer inveja ao centralismo democrático da antiga União Soviética. Nós vamos assumir um papel para o qual nós nãoestamos preparados. Pensando neste universo que é o Brasil. Com tantas questões, com milhões de processostramitando em todas as varas, imaginarmos que cada reclamação eventualmente feita contra os aspectos mais comezinhos relativos aos processos ou às decisões administrativas desses juízes elas venham a desaguarno Supremo, no Conselho. Nós vamos ter alguma insatisfação agora não com a justiça, mas com o funcionamento do Conselho. A rigor, é a funcionabilidade do Conselho que pode estar em jogo neste modelo.Daí eu vinha preconizando, desde então, a necessidade de que nós trabalhemos essa idéia da subsidiariedade(…). Claro, os órgãos correcionais, os órgãos administrativos dos tribunais devem cumprir a sua missão. Seeles falharem, se eles não derem resposta, sim, cabe ao Conselho fazer a intervenção, cabe ao Conselhoregular determinadas atividades, fazer o planejamento dessas atividades, acompanhar a efetividade da prestação jurisdicional. Mas não cabe ao Conselho dar resposta para cada angústia tópica que mora em cada processo. É preciso, portanto que nós estejamos atentos, de resto eu estou a falar de algo que não é nenhuma novidade, o princípio da subsidiariedade (…) já se fazia presente no pensamento de Aristóteles.
Aparece em São Tomas de Aquino (…), é o princípio básico da comunidade européia hoje, é o princípio estruturante da comunidade européia. É um pensamento central da idéia federativa. Para nós respeitarmos, inclusive, a autonomia dos tribunais que a Constituição quer preservar, é preciso que nós tenhamos essa visão. Acredito, Sr. Presidente, que essa deve ser a tônica do Conselho. E eu digo com estaênfase porque nós todos estamos aprendendo. A própria feitura da Emenda Constitucional é uma obra de engenharia institucional.” (grifei)
Cumpre referir, ainda, ante a pertinência de seu conteúdo, fragmento da decisão que o eminente Ministro MARCO AURÉLIO proferiu no julgamento do MS 28.884-MC/DF, de que é Relator:
“Salta aos olhos a relevância do pedido formulado quanto à necessária determinação ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais no sentido de julgar o processo administrativo, glosada a atividade monocrática, a atividade do corregedor. Incabível é cogitar-se, na situação concreta, de legitimação concorrente, sob pena de menosprezo à organicidade e à dinâmica do Direito, vindo-se a agasalhar avocação que se distancia da previsão do inciso III do § 4º do artigo 103-B da Constituição Federal – a revelar competir ao Conselho Nacional de Justiça ‘receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa’.
Relativamente aos processos disciplinares de juízes e membros de tribunais, a revisão, de ofício oumediante provocação, pressupõe, a teor desse inciso e também do inciso V – ‘rever, de ofício, ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano’ –, o exaurimento da atuação na origem, mesmo porque, conforme o inciso VIII do artigo 93 da Carta da República – e incumbe interpretá-la de forma sistemática –, cabe ao tribunal, de início, o ato de remoção,disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, observado o voto da maioria absoluta.” (grifei)
Esse aspecto da questão, que põe em destaque as delicadas relações entre a autonomia constitucionaldos Tribunais em geral e a jurisdição censória cometida ao Conselho Nacional de Justiça, não passou despercebido à precisa análise que FLÁVIO DINO, HUGO MELO FILHO, LEONARDO BARBOSA eNICOLAO DINO fazem do tema (“Reforma do Judiciário: comentários à Emenda nº 45/2004”, p. 108/109, 2005, Impetus), em passagem na qual se enfatiza o papel relevante, porque harmonizador, desempenhado pela cláusula de subsidiariedade:
“De outra face, é interessante realçar a largueza que foi conferida aos órgãos e agentes submetidos ao controle disciplinar do CNJ, abrangendo até os serviços notariais e de registro, o que é altamente positivo. A esse propósito, duas questões merecem destaque. Em primeiro lugar, sobre as sanções administrativas aplicáveis aos servidores da Justiça, há que se observar a legislação que rege seus respectivos regimes jurídicos, cabendo ao CNJ aplicá-la e impor as penas ali fixadas, observado o procedimento administrativo próprio.
Como se cuida de órgão nacional, não há nenhum óbice a que leis estaduais sejam aplicadas pelo CNJ; pelo contrário, esta possibilidade é perfeitamente compatível com o federalismo cooperativo, em que não há divisões rígidas entre os entes que integram a federação. Em segundo lugar, pode-se indagar se a grande quantidade de órgãos e agentes submetidos à
competência disciplinar do CNJ não irá inviabilizá-lo. Daí emerge a importância de duas previsões: a primeira, a de que o CNJ não elide a competência disciplinar e correicional dos Tribunais, de modo que estespoderão ser instados pelo próprio CNJ a apurar os fatos – reservando-se este para uma intervenção posterior, caso a seu juízo seja necessária. Para tanto, o CNJ utilizará os seus poderes de ‘avocar processosdisciplinares em curso’ e de rever ‘os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano’ (a teor do inciso V do § 4º em análise). Ou seja, o CNJ não pode ter a pretensão de transformar-se em um ‘Big Brother’, dando conta do que se passa em milhares de unidades jurisdicionais em todo o território nacional, investigando juízes e serventuários. Deve, ao contrário, reservar-se um papel subsidiário e complementar em relação aos Tribunais, atuando sobretudo quando constatada a ineficácia dos mecanismos ordinários de administração e repressão. A outra previsão relevante para a viabilização das tarefas disciplinares do Conselho, diz respeito à possibilidade de o Ministro-Corregedor ‘requisitar e designar magistrados, delegando-lhes atribuições, e requisitar servidores de juízos ou tribunais, inclusive nos Estados, Distrito Federal e Territórios’, a teor do art. 103-B, § 5º, inciso III.” (grifei)
Essa mesma percepção da matéria é revelada por ANTÔNIO VELOSO PELEJA JÚNIOR, (“Conselho Nacional de Justiça e a Magistratura Brasileira”, p. 232/233, item n. 5.4, 2009, Juruá), que também acentua a relevância da aplicação do postulado da subsidiariedade:
“(…) Nesse sentido, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, por ocasião de sua sabatina do Senado Federal para fim de assumir a presidência do CNJ e do Supremo Tribunal Federal no biênio 2008-2010,afirmou que o CNJ não deve atuar como única instância de punição a juízes responsáveis por irregularidades. Para o Ministro, as corregedorias dos tribunais devem atuar antes que o Conselho seja acionado.
‘Os órgãos correcionais, administrativos dos tribunais, devem cumprir sua missão. Se eles falharem,se não derem resposta, cabe ao Conselho fazer a intervenção’. De ‘lege ferenda’, seria de bom alvitre que se disciplinasse a atuação do CNJ como órgão administrativo recursal, ressalvando-se seu poder avocatório em casos excepcionais – omissão ou irregularidade na apuração, v.g. – ou originário em caso de inércia das corregedorias dos tribunais.” (grifei)
Estabelecidas as premissas que venho de expor – segundo as quais o princípio da subsidiariedade devereger, em regra, o exercício, pelo Conselho Nacional de Justiça, de sua jurisdição censória -, há que se considerar,a título de reflexão, que a atuação do CNJ, em tema de fiscalização correcional, só se justificaria, ordinariamente,quando verificada a ocorrência das hipóteses excepcionais por mim anteriormente referidas, valorizando-se, emconseqüência, até mesmo em respeito ao poder de autogoverno e de auto-administração dos Tribunais em geral, as instâncias disciplinares neles existentes.
Isso porque a Constituição Federal, ao delimitar a competência disciplinar do Conselho Nacional de Justiça,o fez “sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais”, a significar, portanto, na perspectiva ora em exame, que deveriam caber, em princípio, aos próprios Tribunais, a apuração e o julgamento de processos disciplinares envolvendo seus membros e os magistrados a eles vinculados, apenas instaurando-se a jurisdição censória do Conselho Nacional de Justiça nas situações anômalas a que precedentemente aludi nesta decisão.”
[…]
Ora, no caso do juiz Edilson Rodrigues, da Comarca de Sete Lagoas – MG, cujo exame constitui o objeto do presente artigo, é evidente que não restam configurados quaisquer dos pressupostos que, a teor do entendimento sedimentado no âmbito do Supremo Tribunal Federal e retratado no excerto jurisprudencial transcrito acima, justificariam eventual intervenção excepcional do CNJ, mormente de ofício como esta se deu, na medida em que, como já relatado, a Corregedoria do Tribunal de Justiça de Minas Gerais apurou regularmente os fatos e, após regular processo administrativo disciplinar, entendeu por bem, em decisão devidamente fundamentada, por arquivar o caso, e, para tanto, a CGJ mineira utilizou o argumento da cláusula de tutela da atividade jurisdicional (CP, art. 142, III, e LOMAN, ART. 41), segundo a qual o juiz não pode ser punido por suas decisões.
Diante deste quadro fático, não demanda maior esforço de raciocínio a conclusão de que a atuação do CNJ, no caso em tela, se deu sem observância do postulado da subsidiariedade, sobre o qual discorreu de forma exauriente a decisão acima transcrita, do Supremo Tribunal Federal, na medida em que não há sequer notícia da ocorrência, no caso, dentre outras situações anômalas, de: (a) inércia do Tribunal na adoção de medidas de índole administrativo-disciplinar (o processo administrativo disciplinar foi aberto e regularmente conduzido pela Corregedoria Geral do TJMG), (b) simulação investigatória (não há sequer suposição, e, menos ainda, alegação neste sentido por parte do CNJ), (c) indevida procrastinação na prática dos atos de fiscalização e controle ou (d) incapacidade de promover, com independência, procedimentos administrativos destinados a tornar efetiva a responsabilidade funcional dos magistrados (como se disse, o processo administrativo foi instaurado, instruído e julgado em tempo hábil pela Corregedoria Geral do TJMG, que concluiu pelo arquivamento da representação em decisão devidamente fundamentada).
Ora, a simples discordância, por parte do CNJ, quanto ao teor da decisão exarada pelo órgão originariamente competente – no caso, a Corregedoria Geral do TJMG – ausentes quaisquer das anomalias enumeradas no parágrafo anterior –, não constitui justificativa plausível para a arbitrária instauração de ofício, como ocorreu, por parte do Conselho, de Procedimento Administrativo Disciplinar, em verdadeiro atropelo ao pacto republicano e à autonomia do Tribunal que, originariamente, tem a competência para promover a apuração de eventual responsabilidade funcional do magistrado e decidir de forma soberana sobre a penalização ou não do magistrado na esfera administrativa.
A aceitar-se premissa diversa – qual seja, a de que o CNJ pode avocar qualquer processo disciplinar a seu exclusivo alvitre e sem qualquer critério, sobrepondo-se ao Tribunal que originariamente tem competência constitucional e legal para impor sanções disciplinares aos magistrados a ele vinculados – estar-se-á atribuindo àquele órgão um poder discricionário e arbitrário que a Constituição Federal, a toda a evidência, não lhe conferiu e, aliás, não concedeu a qualquer outro órgão do Poder Judiciário, nem mesmo ao órgão de cúpula deste Poder, que é o Supremo Tribunal Federal.
Toda vez que se coloca nas mãos do Administrador Público – e não se olvide que o CNJ é um ente de caráter eminentemente administrativo, embora integrante da estrutura do Poder Judiciário – um poder discricionário sem limites claros e objetivos, corre-se o sério risco de resvalar-se para o terreno perigoso e movediço do arbítrio, que é o primeiro passo para o império da arbitrariedade.
Se, como no caso em exame, não forem impostos limites claros para a atuação subsidiária do CNJ em matéria correicional e disciplinar, não tardará o dia – se é que este dia já não chegou – em que aquele órgão se tornará um poder inquisitorial, arrogando-se, a seu exclusivo critério, o direito de avocar ou instaurar de ofício processos disciplinares contra magistrados, passando por cima das Corregedorias dos Tribunais, seja por injunções políticas, seja pelo apelo midiático de determinado caso, seja para atender pretenso “clamor popular” e “dar uma satisfação à opinião pública”, ainda que o preço deste casuísmo seja a quebra do pacto republicano e o desrespeito à independência e à dignidade da função jurisdicional, resultando na desmoralização do próprio Judiciário como Poder constituído perante a sociedade.
O que se nota hoje é uma crescente tendência no sentido de pessoas físicas ou jurídicas e grupos econômicos, políticos e sociais organizados, ao ter seus interesses contrariados por decisões judiciais, não mais se contentarem, como ocorria outrora, em obter eventual reforma destas decisões pela via recursal própria, prevista na legislação processual vigente. Não mais lhes basta simplesmente reformar a sentença que lhes foi desfavorável utilizando o recurso cabível. Mais importante que isso para eles, no mais das vezes, é ver punidos (mediante representações disciplinares, cada vez mais banalizadas) ou afastados dos sesus processos (mediante expedientes como exceções de suspeição, regra geral sem qualquer fundamento) os juízes que prolataram decisões contrárias aos interesses destes entes ou grupos.
E se a decisão ou o procedimento judicial adotados não se enquadram dentro daquilo que a média da população, muitas vezes induzida pela mídia, reputa politicamente correto, está formado o clima para que se acenda a fogueira da inquisição. Daí para que o CNJ avoque o processo ou o instaure de ofício, com vistas a punir o juiz e acalmar a turba enfurecida, emulada por campanhas infamantes promovidas às claras ou de forma sorrateira por quem teve seus interesses feridos pelas decisões do magistrado, é um passo.
Uma menor no Pará foi mantida por mais de 40 dias presa numa cela cheia de homens e reiteradamente estuprada ao longo deste período. Coisa deplorável, horrenda, inaceitável. Pouco importa que o caos no sistema carcerário seja culpa exclusiva do Poder Executivo. Diante do clamor dos movimentos de direitos humanos, a solução é simples: Puna-se a juíza com aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais ao tempo de magistratura.
Na Bahia, uma magistrada, no exercício do magistério em uma Faculdade de Direito, manifestou crítica contundente à qualidade da advocacia local. A grita da OAB foi imediata. E a solução dada pelo Tribunal não poderia ser outra: Puna-se a juíza com remoção compulsória a bem do serviço público.
E, por fim, no caso do qual estou tratando aqui, um juiz criminal da Comarca de Sete Lagoas – MG proferiu diversas decisões em pedidos de medidas protetivas fundamentadas na Lei Maria da Penha, por vezes indeferindo-as, sob o fundamento de que a lei era inconstitucional e de que o caso concreto não justificava a medida pleiteada, e, em outras, a despeito de declarar a inconstitucionalidade da lei quanto ao aspecto, deferiu medidas com o mesmo efeito – quando o caso justificava – com base na legislação já existente. Como a fundamentação utilizada por ele na declaração de inconstitucionalidade da indigitada lei revelava um viés tido por conservador e machista, não demorou a despertar a ira dos movimentos feministas e de defesa dos direitos humanos. E, mais uma vez, o CNJ, atendendo ao clamor da “opinião pública”, não tem qualquer dúvida: Puna-se o juiz “machista” com disponibilidade remunerada (com proventos proporcionais ao tempo de serviço) por dois anos.
Pergunto: Quem será o próximo?
Nesta mesma esteira, já vi pareceres de promotores e sentenças judiciais em processos onde se discute adoção de crianças por casais homosexuais que são verdadeiros libelos contra o próprio homossexualismo, e alinham fundamentos jurídicos, sociológicos, filosóficos e até religiosos para sustentar que é melhor uma criança ser criada num abrigo do que num lar onde provavelmente terá carinho, educação e orientação para a vida, porque, de acordo com o entendimento destes promotores e magistrados, não é concebível que uma criança tenha um desenvolvimento sadio num lar onde terá dois pais ou duas mães. E evidentemente que eu discordo veementemente dos operadores do direito que assim pensam e decidem, e acho até preconceituoso tal entendimento.
Mas tanto no caso do juiz como no caso do promotor não tenho dúvidas de que todos eles, independentemente da visão de mundo que têm, querem aquilo que, de acordo com a sua escala de valores – e esta varia de pessoa para pessoa, de acordo com uma série de fatores que vêm desde a criação – é o melhor para aquela criança. E se o parecer e a decisão estão devidamente fundamentados, cabe à parte diretamente prejudicada pela sentença contra ela recorrer, utilizando o recurso próprio, previsto na lei processual, visando a ver triunfar sua pretensão. Este é o bom combate.
Contudo, a julgar pela decisão proferida pelo CNJ no caso do juiz mineiro Edilson Rodrigues, acusado de “machista”, basta que algum grupo de defesa dos direitos dos homossexuais aponte o seu dedo incriminador contra aqueles juízes e promotores que citei, atribuindo-lhes a pecha de homofóbicos, e eles estarão correndo sério risco de verem-se processados e exemplarmente punidos pelo Conselhão, que, ao que parece, desviando-se das suas finalidades primordiais está assumindo o papel de inquisidor de juízes, em nome da ditadura do politicamente correto.
No âmbito da Justiça do Trabalho também não estamos imunes a esta sanha inquisitorial do CNJ. Juízes praticantes do chamado “ativismo judicial” já tiveram que dar explicações àquele órgão por terem proferido decisões que, embora devidamente fundamentadas e passíveis de recurso previsto em lei, fogem de determinado padrão ou adotam fundamentos tidos por “incompatíveis com o exercício da jurisdição”.
E não pensem os ditos “conservadores” que eles também estão a salvo deste procedimento inquisitorial. Eu mesmo não aplico, por uma série de fundamentos que exponho nas minhas decisões, diversos tratados e convenções internacionais em matéria trabalhista firmados pelo Brasil, porque os reputo incompatíveis com a ordem constitucional vigente, e costumo, como é do meu estlo, tecer pesadas críticas a alguns destes ordenamentos e aos contextos políticos nos quais eles foram firmados.
Já respondi “pedidos de providências” relativos a termos utilizados nas minhas sentenças, todos julgados improcedentes pela Corregedoria Regional. É só uma questão de tempo até que algum destes grupos de direitos humanos me aponte o dedo tachando-me de conservador e preconceituoso, e aí serei eu a enfrentar a inquisição.
Então, sugiro aos que comemoram efusivamente a punição do “juiz machista” que reflitam um pouco e pensem no tipo de juiz que poderá resultar deste perigoso precedente.
Se permitirmos que o CNJ se arvore na condição de censor da livre convicção dos magistrados – por mais que possamos antipatizar com determinadas convicções, como é o caso – estaremos abrindo perigoso precedente para que as nossas convicções também sejam policiadas, nossa liberdade decisória cerceada e, por fim, nossa independência mitigada.
É isso o que queremos? Juízes censurados, amedrontados, temerosos de ferir suscetibilidades ao expor com inteireza suas convicções pessoais para fundamentar suas decisões?
Temos o dever irrenunciável de defender com destemor e altivez a nossa independência funcional, pois, como diria o eminente Eduardo Coutre, em frase que não canso de repetir, como se fosse um mantra, “o dia em que o juiz tiver medo, nenhum cidadão poderá jamais dormir tranqüilo”.
Então, se você é juiz e comemorou a punição exemplar aplicada àquele “juiz machista”, pense bem, abstraia a questão de fundo e reflita sobre o precedente processual e institucional perigoso que tal decisão consagrou. Afinal, o próximo “contemplado” com uma disponibilidade remunerada ou uma aposentadoria precoce com proventos proporcionais ao tempo de serviço pode ser você.
Encerro, esta reflexão, a propósito, com este poema sem título (conhecido como “First Thei Came…”, que foi feito pelo pastor evangélico alemão Martin Niemöller (1892-1984), preso por Hitler em 1938, durante a ascensão nazista, mas que, nestes tempos estranhos que vivemos, não deixa de ser atual:
“Primeiro eles vieram e levaram os comunistas, e eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista.
Depois eles prenderam os sociais-democratas, e eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata.
Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista.
Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse”.
Trazendo para o nosso contexto, e se me permitirem a corruptela, eu diria:
“Primeiro eles punem os juízes ditos “machistas”, e eu me calo, porque, afinal, não sou machista.
Depois eles punem os juízes tidos por “homofóbicos”, e eu também me calo, porque, afinal, também não sou homofóbico.
Quando eles resolvem punir os juízes tachados de “relapsos”, eu também fico calado, porque, afinal, não sou relapso.
Então eles punem os adeptos do ativismo judicial, e eu também me calo, porque, não sou um ativista judicial e até antipatizo com esta doutrina.
Por fim, quando eles resolverem me punir, de nada me adiantará me socorrer do Judiciário, pois não haverá mais juízes independentes a quem recorrer”.
Pensemos todos nisso, e talvez entendamos que estamos vivendo um momento de grave perigo à mais cara das nossas garantias: a independência judicial, que é um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
Eduardo Duarte Elyseu.
Juiz do Trabalho Substituto zoneado na 1ª Vara do Trabalho de Porto Alegre – RS e Secretário de Valorização Profissional da AMATRA IV.
E tem mais, tomara que o próximo sejam todos vocês, que acham se rei da cocada preta, acima do bem e do mal, acha se semi-deuses só porque estudaram e passaram em concursos pra juizes. Tomara que sejam todos vocês que ao invés de estarem ocupando um cargo honrado com honra, ficam cometento arbitrariedades e se consideram impecáveis, ou seja, pensam que nunca erram, que são perfeitos. Isso não é caça as bruxas e sim caça às injustiças sociais, e tomara que essa caçada seja real, o que eu duvido.
Concordo plenamente com a decisão de afastamento desse juiz. Imagine um juiz de futebol que baseado no direito de expressão e opinião desrespeite todas as regras do futebol para favorecer o seu time preferido no jogo. O juiz tem que ser imparcial, coerente, e acima de tudo tem a obrigação de respeitar as leis e a constituição. Já temos muitos juízes tomando decisões arbitrárias, o que leva muitos processos para segunda instância. A punição é na verdade pequena, pois não creio que depois de ter estudado tanto para estar no cargo de juiz, esse magistrado irá mudar sua concepção machista e nojenta em relação às mulheres, ele deveria ir para a roça lidar com cavalos, ou talvez nem mesmo os pobres animais merecem estar sujeitos a ele.
Como ainda não me formei, eximo-me da chata obrigação de falar juridiquês (é obvio que muitos, a partir dessa informação, desabonar-me-ão por ainda não ter afixado o diploma na parede).
O direito se faz no dia-a-dia, muda, evolui, e cada vez há menos espaço para o olimpo de toga, que manda e desmanda impunemente. O clamor midiático tem um motivo claro: a sociedade não aceita a atitude preconceituosa desse senhor, um egresso de outras eras. A vida mudou, as pessoas mudaram e, sim, juízes precisam ter muito cuidado com o que julgam: a sociedade enxerga, grita e bate o pé. Afinal, são eles meros serviçais do povo (embora um ou vários pensem o contrário). Julgar inconstitucionalidade pode, sim. Sem problemas. Dar-se ares de deus e massacrar ideologicamente pessoas ou grupos não pode. A meu ver, as sanções foram até leves demais, e essa pessoa anacrõnica não pode retomar o poder jurisdicional. Está na hora de fazer sim, uma caça aos deuses.
Não concordo com a prolixa e repetitiva defesa do Juiz. Acho que foi feito um esforço muito grande para surtir pouco efeito.
Na minha opinião, o juiz não deve ser um pessoa equilibrada, pois quem usa da função para se autopromover ou se achar um “intocável”, certamente deve ser responsabilizado por suas más práticas, com rigor para que sinta na pele o quanto é insignificante e que não está acima do bem o do mal. E a punição foi incompleta, pois ele deveria ser submetido a exame pasiquiátrico e assim seria banido de vez da nobre função que deve ser servada às pessoas normais, e no gozo de suas faculdades mentais.
Creio que o magistrado declarou mais do que devia em sua sentença, esta tem por objetivo resolver a lide, apenas.
O Juiz penalizado externou seus preconceitos, sabemos que no meio há muitos que se acham semi-deuses, infelizmente a toga sobe à cabeça.
porém no caso em exame, não vejo consequencias jurídicas importantes capazes de levar a sua punição, mesmo porque a lei organica da magistratura confere garantias aos ocupantes de cargo tão importante, que compõe a estrutura constitucional do país.
O máximo que vislumbro, seria ver o magistrado sofrer reprovações de ordem moral por parte da sociedade.
vivemos em uma sociedade anciosa e que pleiteia a jurisdicionalização da moral, por meios que não os que o ordenamento jurídico autoriza.
Identifico patentes vícios de constitucionalidade na referida lei Maria da penha, acho que o magistrado deveria se ater aos aspectos técnicos e deixar as impressões pessoais… de foro intimo, para serem publicadas em um veículo de mídia, blogs, sites, revistas, folhetins… o mesmo se enveredou por caminhos que não são próprios da função jurisdicional.
e como a preconiza o ditado popular, parafaseio:
Quem diz o que quer, sobre as consequencias, ainda que extra administrativas, que não quer.
Não pretendo entrar no mérito. Mas, baseado no que o próprio juiz escreveu e no preceito de que um juiz deve ser o mais neutro possível; fica, para mim, claro que o magistrado deixou que seus preconceitos pessoais interferissem na legislação em vigor.
Já imaginou se um juiz racista ignorasse as leis anti-racismo. Ou um juiz que detesta gays ignorasse as leis anti-homofobia porque “Deus fez macho e fêmea”?
Em minha modesta opinião leiga, não se trata de caça às bruxas. Trata-se de caça aos “Deuses” (se é que você me entende).
Chega de sentenças onde juízes se dizem “pessoas superiores” (na Bahia – lembra?) ou de recusas em prosseguir com uma audiência devido aos “trajes maltrapilhos do requerente” (Mato Grosso – no julgamento de um processo movido por um lavrador que tinha apenas um par de sapados muito gasto e uma calça puída).
Os juízes devem entender que, mesmo sendo uma carreira honrada, respeitada e de extrema necessidade a qualquer nação democrática, a magistratura é apenas isso: uma carreira destinada a servidores públicos e, portanto, a servir essa mesma nação e não um culto de adoração a semi-deuses intocáveis e infalíveis.
Muitos já percebem isso pelo seu próprio caráter e natureza. São seres iluminados que fazem a justiça como ela deve ser feita. Mas, infelizmente, há muitos que ainda se acham detentores de poderes divinos e credores de regalias dignas de grandes Faraós.
@Arthurius Maximus,
Não tenho dúvidas de que o juiz decidiu de forma equivocada. No entanto a punição por uma decisão judicial é muito perigosa.
Lembre-se que há muito pouco tempo havia escravidão no Brasil, o voto era garantido apenas aos ricos e não havia liberdade de expressão.
Algumas das manifestações do juiz quanto ao que assevera serem inconstitucionalidades na lei são muito bem fundamentadas.
Admitir-se a punição do juiz por decidir conforme as suas convicções pode abrir uma porta para que, mais adiante, um juiz seja punido por desafiar interesses de ricos, ou de um partido majoritário. Este é o perigo.
ò meu caro , Maximus,
as convicções de um juiz ao decidir um a questão não podem contrariar as normas deontalógicas exigidas na magistratura.
Ao juiz não é dado o direito de usar verborrogias em suas decisões. O juiz tem que fundamentar a decisão tão somente mas nunca colocar as suas frustrações, especialemente aquelas que denigrem o gênero da pessoa.
Dá a impressão que ele (Juiz) teve uma péssima experiência como sua mulher, não pode punir o Ricardão, agora como juiz descarrega toda a sua fruistração nas mulheres que dependem de sua sentença. É o que parece….
[…] This post was mentioned on Twitter by Jorge Araujo, DireitoeTrabalho.com. DireitoeTrabalho.com said: Agora no DeT A caça às bruxas já começou ou Não comemore: o próximo poderá ser você. http://bit.ly/aglo6k […]